Vai passar
Por LUCIANO DO MONTE RIBAS (*)
O ano de 2020 tem sido um desafio constante à sanidade de cada um de nós. Nesse roteiro – que oscila entre os gêneros thriller, melodrama e nonsense – não sabemos com qual absurdo nos defrontaremos. Sabemos apenas que, no encerramento da segunda década do século XXI, sempre é possível piorar.
Foi nesse contexto que exerci a maior parte do meu período à frente do Conselho Municipal de Política Cultural. Iniciado, na prática, em dezembro de 2019, esse mandato precisou ser interrompido um pouco mais cedo devido à minha pré-candidatura a vereador.
Avançando, é importante dizer que o CMPC, diferentemente de outros conselhos, possui um “clima” bastante harmonioso, mesmo com toda a diversidade ali representada. São 20 segmentos culturais e 16 setores da administração municipal, o que acaba por reunir pessoas com os mais diferentes perfis etários, sociais, de gênero, de cor e de formação, entre outras características que poderiam ser aqui citadas.
Postas a dialogarem, de modo geral o fazem exercitando tanto a divergência quanto a construção de consensos, o que consolida em mim a certeza de que o respeito às diferenças humanas e à construção de oportunidades iguais são duas vias de um mesmo caminho que nos leva à evolução civilizatória. Aliás, quando temos consciência disso passa a ser fácil entender porque o néscio que ocupa a presidência deseja “passar a boiada” sobre os diversos conselhos de representantes da sociedade civil.
Porém, mesmo com as limitações impostas pela pandemia foi possível avançar em algumas coisas. Entre elas, as que possuem maior alcance estratégico (é importante registrar que o foco da gestão seria em ações com esse espírito) são o “Censo da Cultura”, concluído em julho, e um estudo abrangente sobre a Economia Criativa em Santa Maria, iniciado em conjunto com a UFSM na metade do ano. Pensados como etapas de um mesmo processo, serão fundamentais para a compreensão do perfil dos “fazedores” e das “fazedoras” de cultura santa-marienses, bem como do quanto eles e elas contribuem para o desenvolvimento local e regional.
O grande envolvimento do CMPC em 2020, porém, foi com os desafios trazidos pela covid-19, sobretudo os relacionados à luta pela implementação, ainda em curso, da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Infelizmente, o governo federal tem protelado (talvez até boicotado) o pleno funcionamento dessa legislação que poderá salvar a cultura brasileira, uma atividade que garante trabalho e renda para milhões de pessoas. Tenho a certeza, no entanto, de que será com o mesmo espírito de construção, de diálogo e de luta demonstrado até agora que a SMCEL e o CMPC conseguirão concluir esse processo, fazendo os recursos efetivamente chegarem a quem deles precisa.
Mas sabemos que os desafios não param e que ainda há muita luta pela frente para retomarmos um nível aceitável de racionalidade e de normalidade na sociedade brasileira. Quando lembramos que temos um governante que idolatra armas e que prefere onerar os livros a taxar as grandes fortunas, por exemplo, enxergamos o quanto precisamos erguer trincheiras de resistência a tudo “issudaí”.
Por isso, mesmo sendo atacadas, ignoradas, incompreendidas, desprezadas e até mesmo agredidas, as pessoas que envolvem-se com as artes e com o fazer cultural nesse país farão essa resistência. Disso não tenho dúvidas, tanto quanto sei que, em algum momento, essa noite assustadora do fascismo terá fim.
Afinal, é como nos ensinou Chico Buarque em um momento ainda pior: “vai passar”.
(*) Luciano do Monte Ribas é designer gráfico, graduado em Desenho Industrial / Programação Visual e mestre em Artes Visuais, ambos pela UFSM. É presidente do Conselho Municipal de Política Cultural e um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema, além de já ter exercido diversas funções na iniciativa privada e na gestão pública.
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Observação do autor, sobre a foto: tradicional performance do artista Márcio Estátua Viva no centro de Santa Maria.
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