Saúde

CRÔNICA. Orlando Fonseca e os leitos de UTI

Saúde na UTI

Por Orlando Fonseca*

Uma das verdades não admitidas por autoridades e gente metida a especialista no Brasil, desde o início da pandemia da Covid-19, é não haver UTI para todos, diante do fato de um aumento repentino de casos graves. E isso não é um privilégio – sendo irônico, bem entendido – do nosso país. Em qualquer lugar do planeta, mesmo aqueles considerados mais desenvolvidos, com sistemas públicos consistentes, a população com saúde e, principalmente, com boa educação, não haveria. Pela simples causa que uma pandemia é um evento que transcende a capacidade de planejamento, por ser esporádica. Seria uma estupidez imaginar que um gestor público proveria leitos de UTI de sobra (em grande número), distribuiria hospitais de campanha pelo país, em vista da hipótese de que uma endemia em grande escala pudesse aparecer. É óbvio que, em países despreparados para os casos comuns – onde o nosso Brasil se encaixa – nessas situações eventuais, a coisa tende a ser trágica.

Por isso, e não por outra razão, é que o tratamento recomendável é isolamento social, protocolo de higiene (álcool gel, lavagem das mãos) e proteção, com máscaras. Tais regras, se fossem seguidas por todos, teríamos, com certeza, um número menor de mortes. Enquanto o presidente, e seus simpatizantes, minimizavam o potencial de letalidade do vírus, ministros da saúde chegaram e foram demitidos, providências a respeito de leitos, medicamentos e contratação emergencial de profissionais foram negligenciadas. Preferiu-se, diante do caos desta anormalidade em que virou o cotidiano das cidades, acusar a imprensa de alarmista, numa atitude anticientífica e negacionista. Agora, leio no prestigiado jornal espanhol, El País, em sua edição para o Brasil, as consequências desse comportamento insensato e ignorante.

Segundo se pode ler na matéria jornalística, ao menos 4.132 pessoas morreram antes de conseguir chegar a um leito de terapia intensiva para o tratamento de Covid-19, em seis Estados: Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Maranhão. Não se trata de um alarmismo midiático, nem da opinião de um cronista bestificado com a situação. A fonte dessas informações é fidedigna, e está à disposição de quem queira conferir. Em consulta às 27 unidades da Federação, através de suas secretarias estaduais da saúde, chegou-se àquele número fatídico, nas solicitações por UTI específicas para tratamento, desde fevereiro. E a lógica da conclusão é simples: trata-se de cancelamentos por morte de pacientes nas centrais de regulação.

O acesso a um leito de UTI não garante a sobrevivência do paciente grave, mas oferece cuidados especializados, enquanto ainda não há medicamento ou vacina com eficácia comprovada cientificamente para combater a doença. A notícia boa é que as taxas de ocupação de leitos de UTI têm caído em uma significativa parte do país. No entanto, o Infogripe, um grupo de pesquisa da Fiocruz, alerta que é preciso manter as políticas de prevenção, porque mesmo regiões que já enfrentaram uma fase mais dura de contágio podem viver uma segunda onda de internações. E isso quando pais ansiosos e governantes sensíveis falam em volta às aulas. Há estudos – não conclusivos – sobre capacidade de desenvolver Covid-19, pós contágio, assintomáticos, através de crianças; portanto, é preciso cautela.

E nesse ponto, outra verdade desconsiderada por muitos pais que desejam ver seus filhos voltando à escola, mesmo em meio à pandemia: a vida vale mais. Esboçam uma visão distorcida sobre o papel da escola, sobre educação, sobre meritocracia, preparo para a vida profissional e cidadã. Perder o ano escolar não se compara em perder uma vida. Persistindo os cuidados, uma criança tem o resto da vida para estudar; perdendo a vida não resta nada. A questão não é a maior ou menor resistência ao vírus, mas havendo a volta em massa da circulação de pessoas, seja criança, seja adultos, o contágio volta, e não haverá UTI para todos.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: Crédito da foto: Gerd Altmann / Pixabay.

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2 Comentários

  1. Volta a escola. Não é necessário porque não faz diferença.
    Visão distorcida já entra no campo ideológico. Idealizam algo e tudo o que desvia do imaginado está ‘errado’. Não tem problema, vai dar ‘ruim’. Toda vez. O atraso se agiganta. Os outros países irão adiante. Brasil tornar-se-á uma reserva, os novos neandertais. Cheios de ‘auto-estima’.

  2. UTI não é coisa única. O busílis é que seria necessário dobrar o numero (no mínimo) porque não é possível misturar os pacientes.
    Caso americano e o chinês são diferentes.
    Caso brasileiro. As mazelas apareceram. Falta de leitos sempre existiram. Como são casos isolados a noticia passa despercebida. Aqui na aldeia recentemente vitima AVC precisava de UTI neurológica. Não havia leito disponível. Solução? Transferir para Rio Grande. Uns 350 Km. Deu no que deu. Tratamento conseguido via ação judicial então é uma festa.
    Credibilidade em periódicos é até por ali. Amazonas entrou na conta? Se não entrou está furado. Olhando o site da John Hopkins nota-se que a India alcança o Brasil no numero de casos. Com a metade dos óbitos. Esta furado.
    Preservar a paciência alheia. Campanhas midiáticas inúteis. Praias lotadas em algum lugar do RJ. Festa de aniversario em motel porto-alegrense. Festa rave em floresta no Reino Unido.

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