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Economia

CRÔNICA. Orlando Fonseca, o lobo e a nota de R$ 200

Nota de 200

Por Orlando Fonseca*

Uma das coisas que sempre me tirou do sério… aliás, ultimamente tem muita coisa que me tira do sério. Das duas uma, ou com a idade fui ficando cada vez mais exigente e sisudo, ou a conjuntura está dando de bandeja a irritação geral. Alguns leitores até poderiam considerar, à guisa de calmante, que um cronista não pode permanecer no sério em seu ofício. Coisa que se sabe, desde o grande patriarca desse meio-gênero, Machado de Assis, o qual afirmou serem estes textos compostos com “a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. Ou seja, o humor é o ingrediente principal deste prato muito nacional. E olha que depois dele, os profissionais da área, Rubem Braga, Millor Fernandes, Sérgio Porto e Verissimo – citando alguns, a lista é imensa – só fizeram melhorar o lado cômico destas considerações sobre o mundo, sobre os seres humanos e principalmente, o Brasil e os brasileiros. Aliás (o segundo deste parágrafo), já se disse que estamos no país da piada pronta, portanto, é perda de tempo permanecer no sério.

Mas como eu dizia inicialmente, um cronista tem contas a pagar – este é o lado sério, que trago à apreciação dos amigos – e uma das coisas que sempre me tirou do sério foi chegar com pressa a um Caixa Eletrônico para pegar um troco, em especial para me virar no fim de semana (pagar táxi, comprar hortifrutis na feirinha) e sair dali duas ou três notas de R$ 100,00. Ora, não são as pessoas que têm grandes contas a pagar que acessam esse mecanismo da modernidade bancária. São em especial os pobres mortais, que é a ralé, carente de uns minguados caraminguás (tem amigo que usa a metáfora) para fazer frente às miudezas das lutas do cotidiano do dia a dia (um outro amigo usava a redundância para se referir ao mais comezinho da vida humana). E aí era sair e enfrentar a cara de poucos amigos dos comerciantes, como a nos açoitar – com toda razão – com aquela reprimenda muda, mas eloquente em seu rosto: – Meia dúzia de bergamotas e uma nota de cem pila? Ninguém merece!

Agora, fala sério, nestas alturas do fundo do poço (o paradoxo é proposital) para que uma nota de duzentos pilas? Bem, pelo menos isso serve como um grave sintoma da nossa situação atual. Nisso também percebemos a nossa vocação tragicômica – ou tragieconômica: em nosso país este terreno, o da macroeconomia, e seus especialistas nos governos parecem brincar com o assunto. Para os críticos, essa proposta é inútil, pois o uso de cartão de crédito e débito é cada dia maior; as compras on-line, impulsionadas pelo isolamento social em razão da pandemia, vieram para ficar em definitivo. Ou seja, isso vai contra um movimento mundial de ampliar a quantidade de transações por meio digital. Agora, voltando à minha bronca inicial, se o troco para notas de cem já é difícil, imagina para uma nota de R$ 200,00. Mas tem uma coisa que talvez esteja na proposta e não sabemos: a lavagem de dinheiro vai ficar facilitada, menos gasto com varais e prendedores (isso para não mencionar bolsas, mochilas e cuecas). Um dos motivos para o aumento da demanda por cédulas, segundo o Banco Central, é o entesouramento, que é o dinheiro guardado em casa. Dinheiro embaixo do colchão, reflexo do temor com a volta da inflação, ou de que algum plano mirabolante – efeito Zélia: ter o dinheiro na mão é uma certeza de que ele não será tomado pelo banco.

E o lobo guará, gente? Só pode estar ali como um chiste. Com o total descaso que esse governo tem para com a questão ambiental, com a proliferação desmedida – não falo por opinião, é só consultar os números dos órgãos ambientais – das queimadas e da destruição da Amazônia? O anedótico do caso estaria completo, e aí coerente, se em vez de um animalzinho da lista de extinção, fosse estampada uma alegoria da Terra Plana, ou até mesmo a efígie do Guru Astrólogo. A internet não perdoa, vários memes foram criados com as possibilidades de ilustração, a mais concorrida foi a Ema do Planalto, que não está em extinção, mas tem pensado em fugir daquele ambiente cada vez mais tóxico. Como não sair do sério?

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: Crédito da Foto: Gerhard G. / Pixabay

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3 Comentários

  1. Questão ambiental não é só Amazônia e aquecimento global. Javalis, espécie invasora, já apareceu em Julio de Castilhos, Pessoal da aldeia costuma abandonar pets indesejados na periferia ou até mais longe da cidade. Maioria morre, mas não todos. Como na Austrália já existem gatos domésticos tornados selvagens por ai. Matilhas de cães já correm pelos campos, inclusive atacando criações (pessoas correm risco, que ninguém se engane). Sem mencionar o pessoal que gosta de carne de caça, é só perguntar para o pelotão ambiental da Brigada sobre o pessoal que gosta de ir para a barragem caçar capinchos.

  2. Terra plana é um sinal, quando alguém menciona, seja a favor ou contra, já se tem uma pista do nível intelectual da criatura. Astrólogo não comento, prefiro ignorar o suposto Rasputin.
    Quanto a Amazônia, é assunto bastante complexo. Lendo o ‘The Guardian’ meses atrás fiquei sabendo de fatos que a mídia tupiniquim gosta de esconder. Jovens das reservas, pelo menos alguns, gostam de smartphones. Colocam a carregar no posto dos correios da reserva em Rondônia. Para ganhar dinheiro muitos trabalham no garimpo ilegal. O que gera outro problema, o meretrício que acompanha a atividade. Acabam transmitindo doenças venéreas para as indígenas. Obvio que gera conflito, inclusive com os que querem levar uma vida mais ‘tradicional’.

  3. A ‘ralé’ não tem conta em banco. Alás, não consegue nem abrir conta nas cooperativas da vida. Conheço gente assim, passei a vergonha de perguntar qual o numero da conta para fazer um pagamento e a resposta do conhecido de longa data foi bem humorada.
    Entesouramento de real é coisa que não se faz. Dólar ou Euro, mesmo assim com risco.
    Questão ambiental virou guerra de narrativas. Código florestal prevê que na Amazônia o proprietário de terras pode dispor de 20% da área como quiser. Com as licenças corretas obviamente.
    Também existe o decreto 10421 de 9 de julho de 2020, ‘Fica autorizado o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem e em ações subsidiárias, no período de 11 de maio a 6 de novembro de 2020, na faixa de fronteira, nas terras indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos Estados da Amazônia Legal.’

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