E aí, melhorou?
Por VALDECI OLIVEIRA (*)
Uma das primeiras coisas que aprendi ao ingressar na faculdade de História é que a avaliação dos fatos precisa de um distanciamento temporal para sua compreensão segura. De qualquer forma, isso não nos impede de avaliar fatos conjunturais recentes. Na última segunda-feira, 31 de agosto, completou-se quatro anos do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, num processo que começou em dezembro de 2015, com o aval do então presidente da Câmara dos Deputados, o comprovadamente desonesto Eduardo Cunha. Foram 273 longos dias de agonia para uma mulher que, por não acharem nenhum indício ou prova de corrupção, foi golpeada do poder pelos seus algozes (muitos deles hoje réus ou investigados) utilizando uma novidade na política brasileira, a chamada pedalada fiscal.
O neologismo então empregado como justificativa para aquilo que viria a ser um dos mais vergonhosos capítulos da nossa história contemporânea se mostrou um agrupamento de acusações sem eira nem beira, onde as principais se referiam ao Plano Safra, fundamental linha crédito subsidiado para pequenos e médios agricultores familiares, cujo repasse ao Banco do Brasil, por parte do governo, teria sofrido atraso. Ou seja, foi pago, mas um pouco fora do prazo. O mesmo teria acontecido para garantir os repasses ao Bolsa Família e ao Minha Casa, Minha Vida. Parece piada, mas de mau gosto.
Com o clima beligerante desde as eleições de 2014, a sensação era de que ninguém queria ouvir as justificativas da sua defesa, entre eles o de que a prática contábil não era ilegal e que fora sempre utilizada por governos passados sem que houvesse um só lembrete em contrário feito pelos órgãos de fiscalização.
O que veio depois desse misto de hipocrisia e escárnio não foi nada bom para o povo. Assistimos uma longa lista de desmandos, de malas de dinheiro sendo carregadas, de gravações interceptadas comprovando que aqueles que articularam o golpe eram os verdadeiros corruptos. No campo administrativo, assim que Dilma foi tirada da presidência, colocaram em prática um plano cujo principal desejo foi controlar o orçamento público em defesa de atores que levam vários nomes, como mercado, sistema financeiro, elite econômica e, claro, políticos com e sem mandato que se jogaram com sede de poder sobre o butim conquistado.
No rol desse cenário surrealista, foi aprovada a chamada PEC da Morte, congelando por 20 anos todos os investimentos públicos, incluindo os destinados à saúde e educação, não importando que esses setores ainda eram subfinanciados. Também revogaram a Lei do Pré-Sal, que previa a destinação dos bilionários royalties para a educação e a saúde do povo brasileiro, entregando sua exploração e a maior parte do imenso lucro às empresas multinacionais estrangeiras do petróleo em detrimento da Petrobras. Como se parecesse pouco, os mesmos que votaram pelo impeachment enrolados na bandeira nacional aprovaram a reforma trabalhista, que precarizou enormemente o trabalho e legalizou a exploração dos mais fortes sobre os mais fracos.
Mas o poço ainda estava sendo cavado e era preciso sedimentar os ataques à soberania nacional e a exclusão do povo ao acesso do orçamento, tudo com o verniz da legalidade. O próximo ato seria encenado na eleição presidencial de 2018, com o impedimento da participação do candidato mais forte e que justamente defendia as mesmas bandeiras de Dilma. Desde então, com a vitória dos porões da perversidade humana, cujas portas acreditávamos estarem lacradas, o que temos presenciado em nosso cotidiano são ataques diuturnos a valores civilizatórios e à nossa democracia, a negação da ciência, a elevação do ódio e da intolerância, a idolatria a reconhecidos torturadores, a tentativa de se reescrever a História. Fora isso, temos uma imprensa e seus profissionais sendo agredidos e ameaçados e instituições com STF e Congresso na alça de mira do desejo inconfessável de fechamento.
Estamos assistindo ao incentivo a se ter mais armas ao invés de livros, experimentando a impossibilidade de uma aposentadoria digna, vendo o ingresso de milícias paramilitares no coração do Poder e testemunhando a perseguição de matilhas virtuais ensandecidas que aniquilam reputações e disseminam informações falsas. Vivemos um período em que a chamada pós-verdade impera e alimenta teorias conspiratórias. Usam o medo, pois sabem que a ele as pessoas reagem, não ao amor.
Estamos sendo brindados com um falso patriotismo que nos coloca de joelhos diante do interesse de Donald Trump e obrigados a escolher entre ter direitos ou empregos, mesmo que já tenham nos tirados os primeiros e nunca nos terem entregue a segunda parte. Estamos testemunhando a indiferença e falta de empatia com os mais de 120 mil mortos pela covid-19 e o negacionismo que coloca em dúvida, inclusive, a necessidade da vacinação contra um vírus mortal e pandêmico.
Muito ouvi que era só tirar a Dilma que um outro mundo se descortinaria frente aos nossos olhos. Diante de tudo isso deixo apenas uma pergunta: E aí, melhorou?
(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. Também é Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287
Observação do editor: a foto (seu autoria identificada) de ex-Presidente Dilma Rousseff, que ilustra este artigo, é uma reprodução da internet.
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