Claudemir Pereira

CRÔNICA. Orlando Fonseca e o negacionismo

Negacionismo

Por Orlando Fonseca*

Nos últimos anos, ser defensor de uma visão de mundo passou a ser motivo de xingamento. No Brasil, com uma maioria de poucos letrados, poucos leitores, demonstrar um mínimo de formação acadêmica é risco de ser esculachado – como disse um ministro da educação: fazedor de balbúrdia. Em um lugar cultural, em que domina o senso comum e a crença nas redes sociais, o sarrafo da discussão está baixo, quando não é usado para as vias de fato, na falta de argumento melhor. No entanto, de todos os ismos de que sou acusado, ultimamente, ninguém pode dizer que estou no time do negacionismo. E assim como o coronavírus, os negacionistas estão se multiplicando em proporções geométricas (incrível, pois muitos deles consideram que a Terra é plana). E isso, além de pôr em risco as medidas de contenção da pandemia (sim, vivemos uma, no planeta inteiro, ao redor deste corpo celeste, dinâmico em sua esfericidade), revela sintomas da insanidade mental coletiva a que humanos estão sujeitos.

Não sou também dos que carregam o rótulo de positivismo dos manuais de autoajuda. Nem daquele positivismo pensado por August Comte, ao final do século XIX, que gerou uma crença desmedida na ciência. Carrego uma certa expectativa pela transcendência, pela metafísica, tenho um reduto, quase infantil, de fé, e o materialismo, para mim, se resume a uma ferramenta sociológica importante, mas que não dá conta de tudo. Sozinho com meus pensamentos – e o isolamento social tem potencializado isso – tenho perguntas que não encontram respostas nos tratados científicos. Portanto, com as ferramentas da minha imaginação e da minha fé, engendro as melhores saídas para continuar em paz. Mas confio nos métodos que a racionalidade dos cientistas e dos pesquisadores estruturaram ao longo de séculos de Iluminismo.

Não sou do contra, não sou dos que preferem o quanto pior melhor, não sou de oposição o tempo todo. Não digo sim quando eles dizem não, simplesmente para me contrapor; aceito argumentações com fundamento, baseadas nos fatos e na pesquisa. Sigo o que sugeriu o apóstolo São Paulo: experimentar de tudo e reter o que é bom. E um código de ética mínima permite distinguir o que é bom para mim, portanto, pode ser para os demais – e isso depende mais deles do que de mim. Não estou entre os que não leem ou não assistem ao que se opõe ao que defendem ou acreditam. Aprecio ouvir e interpretar o que diz o outro lado, para discordar ou para acompanhar o raciocínio.

Sou otimista, e nesse ponto sou incorrigível. No entanto, não digo sim para tudo. Por vezes demora algum tempo para que eu venha a dizer, e não tenho medo de mudar de opinião. Prefiro ser, como diria o Raulzito, esta metamorfose ambulante. Velhas opiniões formadas são exatamente opiniões que, se os tempos mudam, ficam velhas; por serem formadas, não permitem novas formulações. Não sou, permanentemente, realista – ainda reservo algo para “Toda imaginação no poder”, slogan dos rebeldes que surgiram em Maio de 68.

No Brasil, houve um tempo, há poucos anos, do quanto melhor, pior. O país atravessava uma época em que deixou de ser devedor do FMI e passou a credor; passou a estar entre as maiores economias do mundo; o salário mínimo ao pico de US$ 326,35 em 2011; em 2005, o litro do combustível na bomba custava, em média, R$ 2,00; o ensino público passou a ser universal (vagas para todos) e as universidades duplicaram de tamanho; 30 milhões saíram da linha da miséria, e os índices de desemprego caíram a índices históricos; um programa de ações afirmativas corrigiu distorções sociais com os afro-brasileiros. Mas os rentistas, olhando o PIB, passaram a trabalhar para que o Brasil fosse lucrativo para eles. O melhor para o povo trabalhador é coisa de outro ismo: o comunismo. O negacionismo não leva apenas às aglomerações à praia, e às mesas de bares na rua. Leva agentes públicos ao poder – as eleições estão chegando; e, só para não dizer que não avisei, pode levar o país ao mais fundo do poço.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: Crédito da foto: 愚木混株 Cdd20 / Pixabay

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3 Comentários

  1. Positivismo não se resume a Comte. Há, por exemplo, o Circulo de Viena depois. E o problema dos ‘iluministas’ de almanaque (pessoal do jurídico é campeão nisto) é o Kant estropiado. Alemão tentou juntar o racionalismo e o empirismo e lá pelas tantas o empirismo ficou pelo caminho. Restou um racionalismo. Burro diga-se de passagem.
    Resolver tudo conversando em todas as circunstancias e todos os assuntos é ideológico (há quem tente conciliar os extremos e piorando a situação). Perder tempo ouvindo os outros quando só o que fazem é vomitar cartilhas ideológicas é perda de tempo. Ideias anacrônicas idem. O mundo é muito grande e a vida é muito curta para desperdiçar com arigós. Melhor prestar atenção nas pessoas que realmente sabem do que estão falando (os resultados demonstram, não teorias fabulosas), aprender coisas novas.
    Todos os benefícios citados ocorreram, não há o que discordar. Petistas no governo ser portaram como o ganhador da Mega Sena (no caso o boom das commodities), gastaram muito e mal e o pais quebrou. O Pré-Sal era o Eldorado que não se concretizou. Mais um voo de galinha. ‘Rentistas’? Mais um rótulo. Que leva a discussão de uma ideologia completamente furada.
    Vermelhinhos tem poucas ferramentas. Rotulos, desqualificação, mentira, teorias da conspiração. Tentam definir o que são os outros e quem são. Língua inglesa tem um termo ‘gaslighting’. É antigo, a grande mídia utiliza há décadas e os vermelhinhos aderiram.

  2. Sem duvida o sarrafo da discussão esta baixo.
    O grande problema é que o pessoal ‘letrado’ não conhece limites. Gente com formação em literatura falando sobre assuntos dos quais não tem formação e/ou experiência como se ‘especialista’ fosse. Pior, para uma plateia que engole tudo como se o supra sumo do conhecimento fosse. Advogados palestrando sobre tecnologia, vomitando jargão de administração e áreas diversas. Na bolha em que vivem parece grande coisa, visto de fora parece que estão erodindo o sistema, tirando ‘valor’ da expertise dos outros.
    O que é um médico? É um biólogo (com conhecimentos de química, física e outros) especializado em patologias do animal humano. A grande maioria não é ‘cientista’, grande maioria não faz pesquisa (diferente dos EUA onde o curso é um doutorado profissional feito depois da graduação e um ‘vestibular’ especifico, o MCAT). Trabalham com protocolos, aplicação de conhecimento.
    Universidades e cursos de pós-graduação têm uma cadeia alimentar também. Certas residências proporcionam maior remuneração depois, logo atraem os melhores alunos. Universidades com melhor reputação idem. Ideologicamente tentaram vender a idéia de que todos são ‘iguais’, todos os cursos são ‘equivalentes’. Obvio que não. Uma pessoa com curso de epidemiologia em Londres consegue emprego em qualquer lugar do mundo, uma oriunda da UFPel não. E vamos combinar, epidemiologia, infectologia, ecologia, cursos multidisciplinares, etc. não atraem a nata da comunidade acadêmica.

  3. ‘Negacionista’ é somente mais um rótulo criado pela esquerda para desqualificar e tentar suprimir o debate. Mais um numa série: reaça, coxinha, fascista, terraplanista, etc. Parte da direita lá pelas tantas resolveu espelhar a tática. Deu no que deu.
    Formação acadêmica? Lembrei de Fausto, livro do inicio do século XIX. ‘Filosofia, direito e medicina/e lamentavelmente também teologia/estudei com muita disciplina. /Agora estou aí, pobre apatetado/E estou tão sábio como no passado/Sou professor e até doutor me chamo[…] Para cima, para baixo, de viés e torcidos/Meus alunos tenho pelo nariz conduzidos/E vemos que nada pudemos aprender’ .

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