Eleições municipais e a distribuição de recursos públicos às candidaturas – por Michael Almeida Di Giacomo
O último domingo foi a data final para que os candidatos ao pleito eleitoral de 2020 apresentassem sua primeira prestação de contas. Nesta parcial, constam os gastos realizados e os recursos arrecadados, tanto de pessoas físicas, quanto o recebimento de verbas públicas, oriundas do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de campanha.
Segundo o levantamento feito pela Folha de São Paulo, publicado na edição da segunda-feira, nesta primeira fase da campanha, perto de 4.600, de um total de mais de 500 mil candidatos, receberam 80% dos valores disponíveis aos partidos. Como é possível perceber, dos R$ 807 milhões liberados, R$ 646 milhões foram direcionados para um número diminuto de candidaturas.
A distribuição interna do recurso público é uma discricionariedade das agremiações partidárias. O valor auferido, geralmente, é distribuído entre os parlamentares federais. Com isso, os referidos decidem diretamente quem da sua base eleitoral deve receber ou incumbem a tarefa às direções partidárias regionais. Em princípio, os partidos apostam com mais força nas candidaturas majoritárias em capitais ou cidades metropolitanas.
O modo escolhido para o repasse interno depende de cada agremiação, no entanto, independente do procedimento adotado, o dinheiro acaba, quase sempre, sendo pulverizado na base eleitoral dos parlamentares federais.
Um dos pontos a ser destacado nesse modelo de financiamento é que os partidos, por uma lógica eleitoral, destinam as verbas disponíveis às candidaturas que apresentam maior capacidade de êxito. É difícil entender que possa ser diferente, afinal, o principal objetivo de um partido político é justamente a conquista do poder.
Outro fator a ser considerado tem por base as negociações na formação das alianças políticas. Nesse caso, os partidos com menos recursos, a partir do aporte destinado a saldar gastos de campanha, acabam por definir sua participação em determinada chapa a partir do compromisso assumido pelo parceiro mais “forte” do ponto de vista financeiro. Isso, pois caso concorressem em faixa própria, certamente teriam enormes dificuldades de adimplir compromissos mínimos para o desempenho de uma campanha satisfatória.
Em uma eleição municipal, onde há um enorme contingente de pretendentes aos cargos legislativos, por óbvio, não é possível distribuir os recursos públicos entre todas as candidaturas. Embora pudesse ser uma distribuição proporcional ao eleitorado a ser atingido, o resultado não seria eficaz, devido ao grande número de candidatos.
Nessa realidade, os candidatos das chapas proporcionais, em sua grande maioria, têm que prover os custos de suas campanhas com recursos próprios ou doações de pessoas físicas. É nesse momento que uma boa relação política com um parlamentar federal pode ser decisiva para o êxito eleitoral.
O levantamento do jornal não traz dados mais amiúde sobre destinação dos recursos a candidaturas femininas ou de pessoas negras. É provável que siga a mesma lógica. Só saberemos mais adiante, nas prestações de contas finais.
Porém, traz algumas curiosidades, como o fato de o PSL ter destinado a uma só candidata a vereadora em Belo Horizonte, Janaina Cardoso, o valor de R$ 690.000,00. O procedimento causou revolta entre as demais candidaturas do partido, principalmente, pelo fato de a candidata ser ex-esposa do ministro do Turismo Álvaro Antônio. Coincidência?
Conforme o Tribunal Superior Eleitoral, o PSL é o segundo partido a receber o maior volume de recursos do Fundo Eleitoral, perto de R$ 200 milhões. E parece, até o momento, que não está ajudando muito no seu desempenho eleitoral. Entre as candidaturas lançadas, nas principais cidades do país, o partido ainda é um nanico político.
Essa é a realidade do processo eleitoral brasileiro.
(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.
Observação do editor: A imagem (de Raphael Ribeiro/BCB/Divulgação) que ilustra este artigo é uma reprodução da internet.
Dois problemas. Pessoal do jurídico vive no mundo das imagens. Grande mídia faz serviço na base do que a casa tem para oferecer.
Não há como saber, a priori, qual candidato(a) apresenta ‘maior capacidade de êxito’. Existem inúmeras candidaturas caras que receberam recursos consideráveis e foram um tiro n’água. Picolé de xuxu que o diga. Segundo, muita gente famosa só aceita concorrer para puxar voto se não tiver que tirar do bolso. Terceiro, o peso interno do candidato também conta. Amigos dos amigos recebe mais grana.
No caso mineiro, se tivesse que fazer uma fezinha colocaria na burla a legislação eleitoral, redirecionamento da cota feminina. Se lembro bem em MG não seria novidade.
Distribuição ideal só se fosse feita pela própria justiça eleitoral. O que entraria em choque com a conveniência dos partidos.
Resumo da opera: é um sintoma, não um problema. Resulta do déficit democrático interno das agremiações.