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Philippson: o sonho agrário judeu no Brasil – por Ricardo Ritzel

Em meados do século XIX, quando Alexandre III assume o trono da Rússia, os judeus começaram a ser segregados das grandes cidades, proibidos de estudar, impedidos de possuir propriedades e ainda foram exilados em pequenas aldeias do império.

Neste contexto de perseguições, foram organizadas várias associações judaicas com finalidade de auxiliar essas comunidades reprimidas em toda Europa Oriental.

Uma delas era a Jewish Colonization Association, a ICA, fundada em 1881 pelo banqueiro judeu, Barão Maurice Hirsch Von Gereuth.

Seu objetivo era proporcionar imigração, mas com estudos agrícolas básicos, transporte para países sem restrições raciais e religiosas, lotes de terra para cultivo, equipamentos e animais para o início dos trabalhos e escolas para as crianças e uma boa noção do novo idioma para os adultos.

Em contrapartida, o colono imigrante se comprometia a reembolsar suas despesas com a instituição, com prazos de 15 a 20 anos, garantindo financiamento para novas levas de refugiados vindas do Império Russo.

Depois de mais de 15 anos levando colonos judeus para os Estados Unidos, Canadá e Argentina, a ICA decidiu investir em um assentamento agrícola no Brasil. Tanto que, em 1900, enviou uma comissão de estudos para o Rio Grande do Sul, com objetivo de examinar as possibilidades para uma futura imigração organizada.

Exatamente naquela época, o governo gaúcho presidido por Antonio Augusto Borges de Medeiros promovia incentivos e renúncias fiscais para retomada da produção agropastoril na zona rural do Rio Grande do Sul, ainda bastante ressentido e abandonado pelos violentos acontecimentos da Revolução Federalista de 1893.

Após dois anos de procura e sondagens, a comissão da ICA sugeriu ao velho Barão Hirsch a aquisição de uma propriedade rural em Itaara, então 6º Distrito do Município de Santa Maria. A principal alegação para escolha era a proximidade da linha ferroviária e todas as facilidades que isto implica para escoação da produção e venda de produtos.

Pouco tempo depois, já em 1903, a associação judaica confirma o interesse e compra a antiga Fazenda do Pinhal, uma área de 51 quadras de sesmarias, que era propriedade do coronel João Batista de Oliveira Mello.

Em seguida, faz uma homenagem a Frantz Philippson,  o então presidente da Compaigne Auxiliare de Chemins Du Fer au Brésil, empresa que explorava as linhas ferroviárias no Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai, e batiza o local como Colônia Philippson.

O nome de Philippson também consta na ata de fundação da ICA como um dos principais acionistas da associação fundada pelo velho barão judeu.

Começava aí o sonho agrícola judeu no Rio Grande do Sul. A primeira imigração organizada de judeus para o Brasil.

Naquela mesma data, 148 pessoas de 38 diferentes famílias de toda Europa Oriental (Rússia, Lituânia, Estônia, Ucrânia, Bielo-Rússia, Moldávia e Romênia) começaram a se preparar para uma longa jornada ao outro lado do mundo depois de se reunirem na Bessárabia (hoje território da Romênia) e receberem por quase dois anos noções básicas e estudos para viverem em um novo país, com uma nova profissão.

A viagem durou quase dois meses. Ela começou em carroças que sairam de Kirschner, na Bessárabia, e foram até Hamburgo, na Alemanha. Dali, um vapor os levou para o Rio de Janeiro, onde trocaram de navio e vieram até a cidade de Rio Grande. A própria empresa do engenheiro Philippson os trouxe, via ferroviária, até Santa Maria.

Eles chegaram na Gare da Boca do Monte, pernoitaram em diferentes hotéis da Avenida Rio Branco e, na manhã seguinte, partiram em comboio especial para conhecerem o novo lar em Itaara. Ao chegarem lá, o calendário marcava exatamente o dia 18 de outubro de 1904. Para os judeus, o ano era o de 5665.

Quando os imigrantes chegaram à nova colônia, a ICA já havia construído a sinagoga, uma escola e ainda destinado um lote para o cemitério. O lote número 1 foi oferecido a Shalon Nicolaievsky, em um gesto significativo, já que shalon, em hebraico, significa paz. Os outros 37 lotes foram sorteados.

A associação do velho barão também já havia contratado um diretor para a escola da colônia. O professor Leon Back lecionava em Paris, até o ano de 1902, quando foi enviado a Portugal para aprender o idioma e, depois, ensinar os filhos dos colonos de Philippson.

Com o passar dos anos, a escola hebraica acolheu também os filhos dos imigrantes alemães radicados em Pinhal Grande, como também as crianças negras das diversos quilombolas que havia naquela região. A estratégia era a inserção social através do domínio do idioma pela segunda geração de imigrantes.

Com o passar do tempo, os novos colonos perceberam as dificuldades da agricultura em Itaara e, para piorar, uma praga de gafanhotos devorou, literalmente, toda a produção de trigo e tabaco de 1906.

O resultado foi a completa penúria de quase a todas as famílias recém-chegadas.

Novamente a Compaigne Auxiliare de Chemins Du Fér foi acionada e passou a comprar a madeira abundante na nova colônia para servir de dormentes da crescente linha da empresa, assim como também para alimentar locomotivas a vapor.

A medida salvou temporariamente o sonho agrícola judeu, porém, com poucas perspectivas, os jovens começaram a deixar a colônia para complementarem seus estudos na cidade e os velhos voltaram para suas antigas profissões exercidas na Europa, como sapateiro, alfaiate e comerciantes, entre outras.

E, como é do costume judeu, quem já havia se instalado na cidade, ajudava quem saia do campo. E assim cidades como Santa Maria, Cruz Alta e Porto Alegre viram verdadeiras aldeias da Europa Oriental nascerem e crescerem em suas ruas e bairros, alguns inteiros, como o do Bonfim na capital gaúcha.

Foi neste momento também que os novos imigrantes inovaram o comércio destas cidades, com a venda de casa em casa, de loja em loja e ainda a prática da venda a crédito, uma novidade para aquela época. O resultado foi uma verdadeira revolução no comércio destas cidades, todas com um significativo ganho em empregos, impostos e circulação de bens e capital.

Com a constante venda de seus lotes, o fim da colônia foi inevitável, restando poucas famílias oriundas desta imigração como proprietárias das terras. Hoje, da Colônia Philippson, restam apenas o nome e o cemitério desses primeiros imigrantes, preservado pela Sociedade Beneficente Israelita de Santa Maria.

(*) Ricardo Ritzel é jornalista e cineasta. Apaixonado pela história gaúcha é roteirista e diretor do curta-metragem “Gumersindo Saraiva – A última Batalha”. Também é diretor de duas outras obras audiovisuais históricas: “5665 – Destino Phillipson”, e “Bozzano – Tempos de Guerrra”. Ricardo Ritzel escreve neste site aos sábados.

Observação do editor: as fotos que ilustram esse artigo são reproduções da internet

(**) Esse texto foi escrito e publicado originalmente, em 2004, celebrando o centenário da imigração organizada de judeus ao Brasil.

(***) Abaixo, assista também um documentário curta-metragem que conta com detalhes a saga dessa imigração pelos próprios personagens e seus descendentes, como o escritor Moacyr Scliar. O resgate da história da Colônia Philippson, através de depoimentos e fotos da época. O legado, as relações e a integração desta comunidade e seus descendentes com a população e a cultura brasileira.

5665: Destino Philippson é cento e dezesseis anos de história em quinze minutos de emoção.

Ficha Técnica do documentário curta-metragem:

Direção: Ricardo Ritzel

Roteiro: Roberto Dezorzi, Bebeto Badke e Ricardo Ritzel

Direção de fotografia: Fabiano Hoher

Produção executiva: Sociedade Beneficente Israelita de Santa Maria

Produção: Anelise Steinbruch Neu, Lucia Steinbruch Carrion e Roberto Dezorzi

Edição: Ricardo Ritzel e Fabiano Hoher

Música: Conjunto musical Lechaim, Joaquim Rodrigo e Eva Chassavoimaister

Designer: Lucas Hamerski

KVA Video Produtora.

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Um Comentário

  1. Bom como de costume.
    Controvérsias. ICA teria comprado terras de mais gente, inclusive da viúva do Capitão Jeremias José Gonçalves Padilha morto em combate durante a Revolução Farroupilha onde hoje se localiza o município de Julio de Castilhos.
    Estradas de ferro foram concedidas, segundo as mas línguas, porque Borges arrumava o dinheiro mas não tinha ‘expertise’ para implantar as mesmas. O plano seria encampar as mesmas desde o inicio e a desculpa para o que aconteceu foi a falta de cumprimento de horários. As ferrovias já estavam nas mãos, se não me engando, de um investidor americano.
    Sei de pelo menos um conflito de terra que aconteceu já no século XX, rendeu um processo disponível no arquivo histórico municipal. Teve inclusive a intervenção de um advogado que viria a ser governador. Muita coisa escrita a mão, decifrar não é coisa simples.
    O que leva a outro assunto, atualmente as pessoas não tem muita noção do que era a cidade naquelas épocas. Quarta Colônia era para ser de polacos, se lembro bem, não aguentaram o tranco e mandaram os gringos. Até o inicio da década de 60 ser transferido para a aldeia e para Tabatinga no Acre não tinha tanta diferença. A RS-287 acho que é da década de 70. E ai chega-se no busílis, com todas as dificuldades iniciaram uma UFSM e agora com todas as facilidades o que se vê é o que a casa tem para oferecer.

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