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A solidão do meio – por Bianca Zasso

O cineasta italiano Michelangelo Antonioni adorava falar do não dito. Sua frase preferida era a entrelinha, aquele discurso que boca nenhuma profere.  A incomunicabilidade foi o tema escolhido por este mestre do cinema para falar às platéias. Complicado de entender? Caro leitor, é mais fácil do que você imagina. Já parou para pensar em como a falta de comunicação é uma constante nos relacionamentos em crise, sejam eles breves ou duradouros?

É o tema de quase todos os romances cujos protagonistas estão passando por um momento difícil em suas relações. Mas com Antonioni, o buraco é mais embaixo. Prova disso é a chamada Trilogia da Solidão (ou do silêncio, como dizem alguns críticos), formada pelos filmes O Eclipse, A Noite e A Aventura.  O mais indicado é seguir esta ordem, mas para quem ainda é novato no quesito Antonioni, o melhor é começar por A Noite.

A Noite é a solidão do meio, a estrada que liga um ponto a outro.  Uma estrada capitaneada por dois atores excelentes. Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau dão vida a Giovanni e Lidia, um casal que está junto há 10 anos e enfrenta um momento complicado.  A paixão arrebatadora, típica no período inicial dos relacionamentos, não existe mais. Junto com ela, partiram também a admiração, as alegrias a dois, o desejo e o amor.

Diante de tantos motivos, a separação parece a melhor saída para ambos. Mas algo os prende e não permite que eles vivam longe um do outro.  Mas o que é? É a resposta pela qual estão em busca nossos protagonistas, que varam a noite em uma típica festa da burguesia italiana. Champanhe aos litros, música sexy (seguindo a tradição das ótimas trilhas sonoras dos filmes de Antonioni, meio jazzística, meio blues) e farras na piscina parecem ser o melhor remédio para Giovanni e Lidia.

Mesmo que o casal central seja o grande sofredor da história, A Noite nos apresenta uma série de coadjuvantes tão confusos quando os protagonistas. Valentina, interpretada por Monica Vitti no auge de sua beleza e talento, é jovem, rica, bonita…e infeliz. A imagem da burguesia que, por tédio ou por falta dele, se joga em devaneios e porres diários.

A noite é a metáfora para o momento dos personagens. Eles anoitecem, apagam aos poucos as pequenas felicidades que inventam para sobreviver. Tentam trair, se libertar, mudar de rumo. Mas acabam sempre voltando ao começo. Lidia foge da presença de Giovanni, que corre atrás dela. A mulher quer mudar de assunto, o homem quer esclarecer tudo no diálogo.  Desencontros dentro da própria casa. Será que eles ainda se amam?

A Noite foi produzido numa das melhores fases da carreira de Antonioni. Mesmo que seu nome seja sempre associado ao clássico pop Blow Up – Depois daquele beijo, o italiano criou para o mundo filmes tão densos quanto a própria vida. Filmes difíceis, muitos dirão. Sim, mas nem tudo é fácil, inclusive no cinema. Para quem torce o nariz e afirma que a função maior da sétima arte é o entretenimento, eu aviso: pensar também é diversão.

A Noite (La Notte)

Direção: Michelangelo Antonioni

Ano: 1961

Disponível em DVD pela Vintage Films

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