Maradona me fez chorar! – por Leonardo da Rocha Botega
Gracias, Diego, “um cometa coletivo! Um cometa paixão! Um barrilete cósmico”
Nas vésperas da Copa do Mundo de 2002 escrevi um texto para um dos jornais que circulavam pela cidade de Santa Maria com o título “Eu vi um gênio no gramado”. Naquele texto pude expressar um pouco o que representou a Copa do Mundo de 1986 e principalmente o brilhantismo de Diego Armando Maradona para aquele menino que adorava jogar futebol de botão que eu fui um dia. Aquela foi a primeira Copa do Mundo que acompanhei como alguém que começava a entender a arte do futebol. Apesar de ter chorado a triste derrota da mágica seleção brasileira de 1982, naquele momento eu ainda era muito novo para entender o sentido do futebol.
Em 1986, às vésperas de Argentina X Inglaterra, as pessoas falavam em Guerra das Malvinas em campo, nos Hoolingans ingleses e obviamente em Diego Armando Maradona. Não houve a tal guerra em campo e os Hoolingans foram silenciados, primeiramente por “La Mano de Dios” e depois pelo “Barrilete Cósmico”, a pintura genial que somente aquele pequeno artista seria capaz de fazer. Diego recebeu a bola no meio de campo, girou driblando três, quatro, cinco, a Rainha da Inglaterra, o goleiro e deixou todo mundo atônito pensando: o que ele fez?
Diego também faria bonito contra a Bélgica nas semifinais. Dois gols: um toque mágico após um passe preciso de Burrochaga e outra pintura para demonstrar que os grandes artistas não sobrevivem apenas de uma obra. Na final contra a Alemanha foi marcado por ninguém menos que Lothar Mathaüs (que seria eleito o melhor jogador da Copa de 1990). Precisou de apenas poucos centímetros e um toque na bola para retribuir o passe dado no jogo anterior. Um leve toque e Burruchaga fez o gol que fez a justiça de promover o encontro do garoto nascido em uma favela em Lanús com a Taça mais bela e cobiçada do futebol. Aquela foi a única final de Copa do Mundo que assisti com meu falecido pai e agradeço ao pequeno gênio argentino por ter dado aquele passe que provou para o mundo todo que os baixinhos podem vencer os gigantes. Em 1986, Maradona resgatou a autoestima de um país que havia sido destroçado por uma violenta Ditadura e humilhado em uma Guerra insana.
Em 1990, Maradona começou a me fazer chorar. Nas oitavas de finais, o Brasil enfrentou a Argentina. A Seleção Brasileira vinha de três vitórias, enquanto que o esquadrão da banda ocidental do Rio da Prata havia se classificado aos trancos e barrancos depois de uma derrota inusitada para Camarões, uma polêmica vitória contra a União Soviética (onde mais uma vez “La Mano de Dios” apareceu, dessa vez não para fazer o gol, mas para evitar o gol adversário) e um empate com a Romênia. Diego precisou apenas de alguns centímetros para deixar Alemão na saudade, Dunga deitado e Caniggia na cara do gol. Aquela eliminação doeu! Doeu muito! Mas foi merecida! A Seleção Brasileira vendeu sua alma aos modismos táticos que sufocam a imaginação e perdeu para quem precisava de alguns míseros segundos de liberdade para imaginar.
Em 1994, Maradona me fez chorar de novo. Não era possível! Um novo doping! Como assim? Depois daquele golaço contra a Grécia! Daquele grito forte que para mim significava: “Eu venci! Eu voltei!”. Não poderia ser verdade! Mas era. Ali o mundo começou a entender o quanto é difícil a luta contra a dependência química. Efendrina era o nome da terrível droga de emagrecimento que tirou o ídolo de toda uma geração da Copa do Mundo. Chorei por Maradona e por todos aqueles colegas de escola, parceiros de futebol, amigos de rua que também estavam se perdendo, mergulhados em uma das doenças mais perversas da humanidade. Nenhum deles era Santo, tampouco eram demônios. Eram “Humanos, demasiado humanos” mergulhados nas contradições da vida.
Nesse dia 25 de novembro de 2020, Maradona nos deixou! Na mesma data que um de seus grandes ídolos, Fidel Castro, partiu quatro anos antes. Diego foi intenso. Amou seu clube de futebol, o Boca Juniors. Amou seu clube de adoção, o Napoli. E foi em Nápoles que viveu entre o heroico e o trágico. Fez metade de um estádio torcer contra a seleção de seu país e mergulhou fundo no submundo das celebridades. Um mergulho que lhe custou caro. Uma doença eterna. Uma doença que o fez partir repentinamente como um cometa. Um cometa amado e digno de seu povo. Que nunca esqueceu de onde veio e que sempre lutou para que outras pessoas não tivessem que viver nas precárias condições em que viveu na infância e na adolescência. Um cometa coletivo! Um cometa paixão! Um “barrilete cósmico” que me chorar mais uma vez! Gracias Diego!
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Observação do editor: A arte que ilustra este artigo é do jornal Página 12, de Buenos Aires. E foi publicada na tarde desta terça, logo após o anúncio da morte de Maradona.
Maradona fez um gol completamente irregular. Famoso. Futebol e politica não devem se misturar, o correntino era de esquerda. Com direito, veio da extrema pobreza. Por enquanto o chavão foi até pouco utilizado, ‘a vida dele era um tango’.
O esporte, não é a toa que a França tem 5 mil academias de judô, ensina disciplina (não é bem o caso) e a resiliência, lembra que a vida é ganhar e perder.
O que era de Maradona e ninguém pode tirar? Talento.