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Revolução dos bichinhos – por Orlando Fonseca

Não sei quanto a vocês, mas a mim parece que o mundo dos microrganismos resolveu, nas últimas décadas, botar ordem na casa. Com “nossa casa” pretendo indicar esse planetinha de vários cômodos, que comporta a gente e eles, bem entendido. Já que as outras revoluções comandadas por “homo sapiens” não deram em nada (só na confusão ideológica em que nos metemos neste século XXI) eles foram à luta. E não é a primeira vez. No mundo da microconjuntura a história também se repete, só que uma vez em tragédia e a outra também. Na cartilha revolucionária dos vírus, a ideia capaz de bagunçar o coreto se chama “influenza” – algum resquício de anarquismo, que os micróbios inventaram no século XIX. Infiltrando agentes conhecidos por siglas e números, tentaram usar vetores, digamos, próximos do seu reino, o que ocorreu com a gripe aviária (detectados em Hong Kong, em 1997); depois com a suína, para manter um certo charme literário inaugurado por Orwell (no México, em março de 2009), também denominada pelos especialistas de Gripe A (de Atchim), organizada pelo agente H1N1, uma cepa renovada daqueles ex-combatentes de 1918.

Eis que agora temos, finalmente, a maior pandemia de todas, levada a cabo por uma geração mais avançada do coronavírus. De resto, é a história atual que obrigou os humanos a usarem máscaras e álcool gel sem moderação. O caso viralizou no verão deste ano e já virou a primavera dos bichinhos, o movimento Covid-19. O pandemônio se instalou mundo a fora, como todos estamos vendo, estarrecidos e condenados ao bunker do isolamento social. E parece que não estão a fim de fazer uma retirada estratégica, como já ocorreu em outras batalhas, vide Peste Negra e Gripe Espanhola. Por esta não esperava nem o autor de A revolução dos bichos, obra que estará em domínio público a partir do ano que vem. Socialista, George Orwell criticou, em sua ficção, tanto o stalinismo quanto o imperialismo britânico. Agradou aos anticomunistas, mas não previu nada sobre anticorpos (e olha que ele era meio profeta, vide sua elucubrações sobre o “big brother”, em seu famoso livro 1984).

Por tudo o que já tem demonstrado, o Coronavírus – ou o agente SARS-CoV-2 – é o mais esperto dos microterroristas que já apareceram. Ignorando globalizações e internacionalizações, foi espalhando a sua práxis, antes de qualquer discurso. Econômico, poupou a sua própria e navegou na saliva da galera (sem essa de ficar no discurso). Desse modo, triunfante, não tem poupado conservadores ou progressistas em sua “revolução das revoluções” pandêmicas. Tendo surgido na República Popular da China, e tendo feito seus estragos por lá, proclamou aos quatro ventos: “coronas do mundo uni-vos, nada tendes a temer senão as vacinas”, e saíram atirando pela Europa, América e Ásia. Os Estados Unidos, o maior país capitalista do mundo está no topo dentre os mais afetados e os coronas estão fazendo de tudo para atingir o PIB da maior economia do mundo. Já o Brasil, um arremedo de país capitalista, quintal dos EUA, vem em seguida – para orgulho de lideranças negacionistas, contentes em estar atrás apenas dos americanos. O que não deixa de ser um “avanço” por assim dizer, pois gostam mesmo é de estar sob os coturnos do Tio Sam, na condição de capacho.

Ainda não é possível entender a extensão do domínio coronaviriano. Se veio para ficar, se vai mesmo ser debelado pelas vacinas que estão sendo preparadas na contraofensiva organizada pelas potências mundiais. No entanto, mesmo que até o início do ano que vem tenhamos antídotos eficazes, uma coisa já ficou muito nítida: a revolução dos bichinhos já deixou uma sequela perigosa para a humanidade: o negacionismo. Isso revela a face mais elementar de nossa fraqueza, a ignorância, o contrário da civilização que nos fez mais ágeis que os grandes bichos, e mais fortes do que os microrganismos, mas que pode nos submeter a estes últimos pela falta de um sentimento que nos uniu até aqui nesta aventura: a solidariedade. Como se pode perceber, nem os vírus nem os ignorantes se importam com isso.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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