Um fato importante na última semana teve destaque no cenário político nacional. Refiro-me à frente parlamentar formada por PT, PDT, PSB, PC do B, MDB, PSL, PSDB, DEM, PV, Rede e Cidadania à eleição da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Em um primeiro momento, não seria nada equivocado afirmar ser somente um acordo administrativo para o comando da Casa legislativa. Porém, a carta pública assinada pelos representantes dos partidos expõe uma posição que vai além da questão administrativa e tem por fundamento, veja, a defesa da nossa incipiente democracia.
É um verdadeiro “combo” de partidos, que apresenta como diferença na chapa anterior que elegeu Rodrigo Maia presidente da Casa, a participação de partidos de centro-esquerda. Outro fato a ser destacado é a não inclusão de partidos da extrema-direita.
Qual o sentido?
Parece que as lideranças democratas acordaram de um sono profundo. Sim, algumas estavam adormecidas. Os argumentos defendidos no documento soam como um alerta aos incautos.
Inicialmente, os parlamentares asseveram que a Câmara dos Deputados, por ser a “fortaleza da democracia, o território da liberdade”, ganhou relevância política nos últimos dois anos. Justificam tal assertiva pelo fato de que, “enquanto alguns buscam corroer e fechar nossas instituições”, eles lá estão para “lutar e valorizá-las”. E mandam um recado: “enquanto uns se encontram nas trevas, nós celebramos a luz”.
O que seriam as trevas? Ou melhor, qual a prática dos que rendem fidelidade às trevas? O documento responde: a falta de respeito ao marco das leis, ao contraditório e às regras do jogo democrático.
As lideranças da frente parlamentar pela democracia reforçam que a referida aliança não está alicerçada em nomes, está longe do culto à personalidade. Consigna que a união representa os ideais daqueles que são parceiros da ciência, fiéis aos fatos, contrários ao autoritarismo e a quem propaga Fake News.
De forma resumida, segundo os parlamentares, a eleição decidirá se teremos uma Câmara dos Deputados “livre ou subserviente”.
A frente democrática parece ter um alvo: a política autoritária, inconsequente e irresponsável de Bolsonaro. Não querem que o desastre que tem sido a gestão bolsonarista seja reproduzida no parlamento, ou, pelo menos, não tenha respaldo na direção da casa legislativa.
Em todo esse debate, que é necessário e importante, dois fatos chamam a atenção. O primeiro ponto a destacar é que, com exceção dos partidos de oposição (nesse aspecto você pode colocar o partido da sua preferência), após dois anos de gestão bolsonarista é a primeira vez que partidos tradicionais, de centro-direita, assumem uma posição tão clara contra as práticas antidemocráticas de Bolsonaro.
Estaria o parlamento, em caso de vitória da frente democrática, assumindo uma posição de guardião da liberdade, em contraponto ao viés totalitário do falso messias? E no que exatamente esse movimento irá resultar? O novo presidente da Casa será mais condescendente com seus pares ao analisar um possível pedido de impeachment de Bolsonaro? Difícil saber.
Outro ponto a ser considerado é observar como as lideranças políticas desses partidos, muitos dos quais apoiaram a eleição de Bolsonaro e até compõem seu governo, irão se posicionar no que se refere a defender os princípios democráticos da República a partir da atuação nos diretórios regionais e municipais das referidas agremiações. Ou será que o discurso em defesa da democracia se esgotará com a eleição da nova gestão?
Faço esse questionamento, pois nos referidos âmbitos partidários é gritante o número de lideranças que estão alinhadas ao pensamento obscurantista de Bolsonaro. Inclusive, a contabilização dos votos da frente democrática não pode ser mensurada de forma absoluta, pois é esperado que haja dissidências.
Eu sei, a ação política é sempre dinâmica, mas esse movimento em defesa da democracia, não tenho dúvida, antecipa um debate partidário que parecia estar marcado somente para 2024.
Com isso, os referidos partidos irão promover uma correção de rumo? A posição assumida junto à frente democrática é resultado de uma autocrítica e do entendimento de que o país está correndo o risco de se tornar uma Venezuela Bolsonarista?
No meu modesto entendimento, como é possível verificar, o documento assinado pelos partidos deixa inúmeros pontos de interrogação. As respostas à sociedade, ou mesmo a linha política a ser adotada por essas agremiações estará restrita a uma eleição de Mesa Diretora?
Teremos que aguardar os próximos capítulos.
(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.
Observação do editor: a foto do plenário da Câmara, que ilustra este artigo, é de Antônio Cruz, da Agência Brasil.
Confesso que estou ‘de saco cheio’ desta bolha das ‘narrativas’, da imagem, do gaslighting.
Para quem vive no mesmo planeta dos que não perderam o contato com a realidade, a situação é a seguinte: os ganhos da Lava a Jato estão indo (ou já foram) para o vinagre; as instituições querendo demonstrar força nunca estiveram tão fracas; a CF88 continua na beirada do telhado; as jornadas de 2013 tem grande chance de voltar, não se sabe no governo de quem.
Logo esta conversa de ‘democracia’ (e outras palavras bonitas que já não tem sentido para a população), extrema-direita (velha desqualificação utilizada pela esquerda), já não ‘cola’ mais. Mesa da Camara? Tanto faz como tanto fez.