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As eleições em Santa Maria e os dilemas de Jorge – Por Leonardo da Rocha Botega

Que fazer diante da vitória vinda com votos de esquerda e da centro-esquerda

Findadas as eleições municipais em Santa Maria, passamos a ouvir as múltiplas vozes e análises. Alguns questionamentos recorrentes são: o que levou a vitória e a reeleição do atual prefeito Jorge Pozzobom (PSDB)? Quais grupos e partidos políticos saem fortalecidos e quais saem enfraquecidos? Qual a natureza do segundo mandato do prefeito reeleito? Qual a engenharia política possível para a garantia da governabilidade mediante construção de maioria parlamentar? Entre tantas outras questões que remetem aos exercícios de projeções em um campo tão incerto como o campo político.

A primeira questão talvez seja a que mais chama atenção no presente momento, sobretudo pelo seu caráter recente e até mesmo surpreendente. Para algumas pessoas, pelo resultado em si; para outras pessoas, pela diferença de votos. Entre os fatores que pesaram na surpresa foram as disparidades de apoios e indicações de votos recebidos pelos candidatos ao longo do Segundo Turno e a impressão de que a candidatura do adversário, o vice-prefeito Sérgio Cechin (PP), teve um impulso crescente com o fato de ter “vencido” o Primeiro Turno.

Na ocasião, Jorge Pozzobom teve 33.080 votos (24,89%) contra 35.218 (26,49%) de seu adversário. Cabe ressaltar ainda que Luciano Guerra (PT) teve 31.843 votos (23,96%), Jader Maretoli (Republicanos) teve 12.901 votos (9,71%), Marcelo Bisogno (PDT) teve 12.515 votos (9,42%) e Evandro Behr (Cidadania) teve 7.369 votos (5,54%).

O resultado do Primeiro Turno, diferente da eleição anterior (2016), levou a disputa para o interior do mesmo campo político que desde 2008 costuma compor o governo municipal. De forma inusitada (ou até mesmo surreal), a disputa foi entre o prefeito e o vice-prefeito (cuja candidatura era reforçada pela presença de um candidato a vice-prefeito que meses antes da eleição era Secretário de Saúde do mesmo governo que ambos passaram a combater).

No que tange às posições públicas de apoio no Segundo Turno, elas foram majoritariamente feitas ao candidato Sérgio Cechin (PP). Os candidatos Marcelo Bisogno (PDT) e seu candidato a vice Fabiano Pereira (PSB), Jader Maretoli (Republicanos), Evandro Behr (Cidadania) e o candidato a vice de Luciano Guerra, Marion Mortari (PSD) definiram o apoio ao atual vice-prefeito. O PT de Luciano Guerra e o PSOL que, apesar de não ter tido candidatura majoritária, teve uma excelente votação na proporcional (inclusive com a candidatura mais votada da cidade), definiram o voto nulo. Jorge Pozzobom teve apenas a indicação de voto crítico (o que é diferente de apoio) por parte do PC do B e do vereador petista não-reeleito Daniel Diniz.

Fazendo uma projeção abstrata (com muitas brechas “não cientificas”) com base nos dados do Primeiro Turno e dos apoios e posições de voto crítico recebidos pelos candidatos no Segundo Turno, a tendência abstrata seria: Sérgio Cechin (PP) com apoio de Jader Maretoli (Republicanos), Marcelo Bisogno (PDT) (- os votos do PC do B para vereadores), Evandro Behr (Cidadania), e PSD (votos para vereadores) poderia ter 61.655 votos; Jorge Pozzobom (PSDB) com o voto crítico do PC do B (votos para vereadores) poderia ter 39.428 votos; os votos brancos e nulos (que totalizaram 12.480 votos no Primeiro Turno) poderiam chegar a 44.399 votos (votos de Luciano Guerra e para vereadores do PSOL).

Obviamente, não existe transferência imediata de votos e tampouco os votos nos vereadores representam em sua totalidade um voto partidário, por isso ressalto mais uma vez o caráter abstrato e as brechas “não cientificas” dessa projeção que, longe de apontar uma tendência, era apenas uma projeção (bastante simplista por sinal).

Entre a projeção simplista e a realidade do comportamento eleitoral no Segundo Turno, a distância foi gigantesca. Finalizada a apuração, Jorge Pozzobom obteve 71.927 (57,29%) votos, 32.499 votos a mais em relação a projeção simplista e 38.080 votos a mais do que a votação que obteve no Primeiro Turno. Sérgio Cechin obteve 53.616 (42,71%) votos, 18.218 votos a mais do que no Primeiro Turno e 8.039 a menos que a projeção simplista. Os votos brancos e nulos, por sua vez, somaram 14.723 votos, 2.243 a mais do que no Primeiro Turno e 29.676 a menos do que a projeção simplista (aqui talvez resulta a maior brecha entre a projeção simplista do autor e a realidade, afinal, dificilmente alguém esperava que, de fato, tivéssemos 44.399 brancos e nulos em Santa Maria).

O que explica essa distância gigantesca entre a projeção simplista e a realidade do comportamento eleitoral talvez seja a grande chave para a questão: o que levou à vitória e à reeleição do atual prefeito Jorge Pozzobom (PSDB)?

Aqui podemos ter uma explicação baseada nos dados eleitorais e outra no campo discursivo. Baseado nos dados eleitorais podemos apontar que a maioria dos 38.080 votos a mais que Jorge Pozzobom obteve em relação ao Primeiro Turno vieram de posições políticas autônomas em relação às posições de apoio assumidas pelos candidatos e partidos no Segundo Turno. É muito provável que tais votos tenham vindo dos grupos identificados com a centro-esquerda e com a esquerda. Uma probabilidade razoável se levarmos em conta que os partidos do campo de esquerda (PT – PC do B – PSOL) e de centro-esquerda (PDT – PSB) tiveram respectivamente 27.084 votos e 17.555 votos em seus vereadores e que seus candidatos à prefeito, Luciano Guerra (PT) e Marcelo Bisogno (PDT), somados obtiveram 44.358 votos. Pelo visto, pelo menos no que diz respeito ao PT, ao PDT e ao PSB, os seus eleitores majoritariamente não seguiram as orientações partidárias. Deixo o PSOL de fora uma vez que a única baliza seriam os votos à vereança que, conforme definimos acima, não representam em sua totalidade um voto partidário (os votos na majoritária têm uma tendência maior em ser votos identificados como partidários, mesmo diante da confusão ideológica das coligações).

Mas qual seria o porquê dos eleitores da centro-esquerda e da esquerda terem majoritariamente se definido por tal comportamento? Aqui cabe a explicação discursiva (opto pela explicação discursiva e não programática, pois programaticamente os dois candidatos no Segundo Turno representavam a mesma aliança).

Sérgio Cechin promoveu uma campanha mais centrada em um discurso identificado com valores da velha direita e da extrema-direita. Um discurso recheado de proposições de práticas políticas personalistas que remetem a visões de clientelismo e a valores tradicionais, como o uso político da ideia de “família”, que remetem a uma visão patrimonialista (o Estado como extensão da casa).

Mas ao mesmo tempo, no que tange a perspectiva de grupo político, um discurso afinado com a extrema-direita ligada a figuras como o senador Heinze e o presidente Jair Bolsonaro, esse último, sobretudo, no que diz respeito as perspectivas negacionistas que permeiam a conjuntura da Pandemia da Covid 19.

Nesse sentido, o discurso do candidato Jorge Pozzobom era mais atrativo ao campo político oposto. Mesmo recheado com os valores neoliberais, o discurso do peessedebista representou um recuo em relação aos seus discursos anteriores de flerte e adesão à extrema-direita, o mesmo flerte e a mesma adesão que marcaram a atuação do PSDB na Câmara de Vereadores nos últimos quatro anos (o partido chegou a votar favorável a moção de apoio ao Projeto autoritário e inconstitucional “Escola Sem Partido” que é duramente criticado pelos próprios educadores ligados aos tucanos).

Assim, analisando discursivamente as possíveis opções que levaram a centro-esquerda e, principalmente, a esquerda ao voto no antigo adversário, pode-se afirmar que foi um voto de veto, ou seja, o “voto crítico” de negação do mal maior.

E é aqui que se encontram “os dilemas de Jorge”: minoritário na Câmara de Vereadores (sua coligação elegeu quatro vereadores, sendo um de fidelidade duvidosa), terá que negociar muito (primeiro para formação de seu segundo governo, segundo para garantir a governabilidade), mas fundamentalmente terá que abandonar os resquícios que o aproximaram da extrema-direita nos últimos anos.

Afinal, com toda certeza não foi o fato de ter dito que “não sujaria os dedos votando no PT” ou os sorrisos diante dos insultos à UFSM proferidos por um empresário fanfarrão que lhe garantiram a vitória eleitoral. Jorge terá que ser mais Mario Covas e Teotônio Villela e menos Aécio Neves e João Dória. A grande política inclusive agradeceria.

 (*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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2 Comentários

  1. Farret não tem voto nem para ele. PT deu uma de ‘esperto’, partido lançou uma nota orientando voto nulo, branco, abstenção, etc. Na surdina orientou o voto em Cladistone, o indigesto.
    Agora o movimento é obvio, ‘campanha já passou e não se fala mais nisto’, ‘foi um movimento natural do eleitorado’ e assim por diante. Só alguém muito trouxa acredita nestas lorotas.

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