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Então é Natal… – Por Orlando Fonseca

Com certeza, os mais céticos, os materialistas empedernidos, neste período ficam a se perguntar, e até com alguma razão, como é que gente adulta, pretensamente inteligente, se envolve com o Natal?

No ano de 2020, e com todo o espanto que nos apresenta, o mundo inteiro vivenciando uma pandemia, pessoas morrendo, hospitais lotados, protocolos sanitários e isolamento social, onde é que entra a alegria ingênua da festa? Será que os donos das grandes lojas, os altos executivos das empresas, os membros das diretorias de corporações acreditam em Papai Noel?

É óbvio que em nenhuma reunião esta questão seria colocada em pauta, e nem o fariam, em nome da sanidade mental e do processo evolutivo da dita civilização. No entanto, a data e os eventos que a envolvem, o sentimento de fraternidade, a euforia dos enfeites, as músicas têm algo de uma ternura infantil, da crença pueril em uma realidade mágica das quais seria desumano fugir.

Um sindicato, uma associação de bairro, uma ONG, os parlamentares (pelo menos os mais conscientes) também perseguem – com uma fé que beira o irracional – a utopia de uma sociedade mais justa e pluralista, para a qual é preciso a união de todos e o esforço coletivo; é preciso lutar e, até mesmo “endurecer”, como diria o camarada Chê, porém, como ele mesmo emendou, “sem perder a ternura jamais”.  

Que a realidade na qual vivemos em nosso Brasil – e não é muito diferente na maioria do planeta – não dá margem para celebrações festivas é uma constatação sem maiores dificuldades. Entretanto, como não dizer que o Bom Velhinho não corresponde a um símbolo brasileiro?

Afinal de contas, apesar da idade, continua trabalhando: ou porque a sua aposentadoria não permite a sobrevivência, ou porque ainda não conseguiu fazer tramitar os papéis na Previdência. Depois, o seu trabalho está voltado às crianças, outro problema social grave em nosso país, diante do trabalho infantil, o abandono e a mortalidade são questões às quais devemos dedicar nossa maior atenção. Está no grupo de risco, mas, segundo a OMS, está imunizado.

Então, o Natal além de ser uma festa e, como tal, celebra a alegria de dar presentes e a felicidade de reencontros, também permite que tenhamos um olhar diferente em relação à realidade brasileira e mundial – afinal, Papai Noel já é globalizado há muitas décadas.

Neste preciso momento, a realidade nos cobra atenção a coisas urgentes, como a sobrevivência. Nesse mesmo aspecto, é necessário que os cuidados individuais estejam permeados de solidariedade.

Usar máscara não é apenas uma proteção ao usuário, mas inclui os que se encontram próximos; não participar de aglomeração significa não dar oportunidade ao coronavírus se espalhar com mais facilidade; manter o distanciamento também.

Ao mesmo tempo em que as casas, as ruas e as lojas se enchem de enfeites natalinos, a curva de contágio também nos alerta de que voltamos aos perigos do início da pandemia. Na lista de presentes deste Natal precisamos acrescentar uma vacina, que venha o mais breve possível, para os bons augúrios quanto ao ano que vai nascer.  

“So this is Christmas, and what have you done?” (Então é Natal, e o que você fez?). Eis a pergunta que Lennon – cuja morte violenta o mundo todo lembrou no último dia 8 – anuncia numa das mais belas canções pop natalinas. A sua voz se calou, mas a melodia e a contundência da indagação permanecem.

No limiar de um novo ano, começo da terceira década do século XXI, compete-nos a urgência de unir esforços em torno de temas prementes como o da fome, da discriminação de toda ordem, raça, gênero, deficiências; do resgate da dignidade humana e cidadã, pelo trabalho, pelo convívio sadio, pelo acesso aos bens do progresso.

Portanto, é de se desejar que, acima de tudo, o Papai Noel que habita a fantasia mais pura de cada um não traga a surpresa de novas epidemias e tragédias sociais, e que a fraternidade do Natal sirva de símbolo para a união de esforços em torno da defesa de um mundo melhor. 

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editora imagem que ilustra esta crônica é do portal gratuito Freepik.

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2 Comentários

  1. Sociedade mais justa e pluralista. Quem define o que ‘é mais justo’? E o ‘pluralismo’? Sim, porque até a definição de ‘democracia’ não é pacifica e existem muitos ‘democratas’ por aí sonhando em mandar adversários para paredões imaginários.
    Chê virou pop. Como muita coisa por aí, foi mercantilizado, vende muita camiseta. Espertalhonas, por exemplo, descobriram que palestras sobre feminismo também dá dinheiro. Para ficar mais vendável misturam com autoajuda.
    No mais, mais do mesmo. Reducionismo também faz parte do ferramental marxista.

  2. Imaginário é a palavra chave. Concepção marxista de que donos das grandes lojas, os altos executivos das empresas, os membros das diretorias de corporações são ‘gananciosos’ e ‘ganham dinheiro fácil sem muito esforço’. Como os nobres antes da Revolução Francesa são uma classe a ser eliminada pelo ‘pôvú’ para que ‘a humanidade vá adiante e a história cumpra seu destino’. Deveriam ser substituídos por um burocrata ‘especializado’ numa ideologia que só teria que executar um ‘planejamento’. O que na prática acontece é a criação da verdadeira classe de sanguessugas da sociedade.
    Os ‘gananciosos’ sabem o que todo pequeno lojista do centro ou dono de buteco sabe: se não vender tantas calças, tantas blusinhas ou tantos litros de cachaça a conta não fecha. A escala é diferente, mas a responsabilidade é a mesma.

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