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A urgência de um Projeto Nacional de Desenvolvimento – por Leonardo da Rocha Botega

A moderna ligação entre os temas nação e desenvolvimento no Brasil remetem fundamentalmente a um período iniciado na década de 1930. Naquela ocasião, os efeitos da crise de 1929 colocaram em colapso o paradigma agrário-exportador que vinha sendo adotado pelo país sob a hegemonia política dos cafeicultores. Em reação a esse colapso (mas não somente por isso, afinal é importante levarmos em conta toda uma crítica contra-hegemônica que vinha se construindo ao longo dos anos 1920) novas forças políticas ascenderam ao poder com um golpe de Estado. Com o golpe ou “Revolução” de 1930, novos discursos e novos projetos foram sendo reelaborados desde um governo que reivindicava a ideia de um Projeto Nacional de Desenvolvimento.

Desde então, os debates sobre a Questão Nacional passaram a ter um novo sentido. No campo intelectual, as Teorias Racialistas, tão influentes desde fins do século XIX, foram perdendo espaço e o debate passou a ser sobre temas que apontavam para o que havia de mais concreto na construção histórica e na identidade nacional, sobretudo, a partir das elaborações de Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. No campo político, o fortalecimento de novos atores sociais, sobretudo, o fortalecimento da classe trabalhadora, produziu o fenômeno da massificação da política. Um fenômeno que ganhou muito fôlego com a liberação da arena pública a partir da Redemocratização pós-1945.

Entre 1945 e 1964, no chamado período do experimento democrático, o Brasil viveu um arvorecer de ideias e de debates sobre os seus rumos. O país a ser construído se tornou um tema que mobilizou inúmeros atores sociais. Partidos políticos, sindicados, frentes parlamentares, entidades empresariais, entre outros grupos coletivos, reivindicavam a construção de um projeto de nação. Um projeto que não era único, mas sim, um campo de disputas. O Plano Salte, a criação da Petrobrás e da Eletrobrás, o Plano de Metas e as Reformas de Base foram frutos desse campo de disputas. O Brasil vivia, em todos os campos político-ideológicos, um período de intensa imaginação criativa, fatalmente interrompido pelo golpe civil-militar de 1964.

Porém, apesar desta interrupção, da violência, da censura e da opressão que se seguiu nos anos pós-golpe de 1964, os governos da Ditadura Civil-Militar não conseguiram escapar da ideia que acompanhava a nação nas últimas quatro décadas. Nem mesmo o hiato antinacional representado pelo governo Castelo Branco foi capaz de apagar a obsessão por um Projeto Nacional de Desenvolvimento. O “Milagre Econômico” e o II Plano Nacional de Desenvolvimento são exemplos desse não apagamento. Um não apagamento que, dentro da lógica de campo de disputa e, consequentemente, de uma realidade aberta, caminhou na direção contrária ao que a imaginação criativa do período pré-1964 pensava.

A concentração de riquezas, a manutenção de estruturas econômicas arcaicas como o latifúndio, o alarmante endividamento externo e a precarização do trabalho se tornaram heranças definidoras do verdadeiro impasse nacional da contraditória década de 1980 (década perdida do ponto de vista econômico, porém, década ganha em termos de cidadania e de emergir democrático). O impasse daquela década resultou em um processo duplo. De um lado, a proposição de um Estado de Bem-Estar Social tardio a partir da Constituição de 1988. De outro lado, o sepultamento da lógica de construção de um Projeto Nacional de Desenvolvimento a partir da eleição de Fernando Collor de Mello e da hegemonia neoliberal que se seguiu nas décadas seguintes. Uma hegemonia que nem mesmo a tentativa de um experimento Neodesenvolvimentista nos governos Lula e Dilma foi capaz de romper e que hoje é aprofundada pelo governo Bolsonaro.

Como resultado deste sepultamento assistimos nesse limiar dos primeiros dias da terceira década do Século XXI um país à deriva. Uma taxa de desemprego de 13,1% (segundo o IBGE são 14,1 milhões de brasileiros desempregados), uma estratégia de enfrentamento da pior Pandemia desde 1918 que (além de negar a ciência) escancarou um país incapaz de ao menos produzir seringas, um mercado interno em frangalhos com a perda do poder aquisitivo dos trabalhadores e mais recentemente o anúncio da saída de algumas empresas que nos últimos 70 anos construíram a significativa indústria automobilística brasileira, o que agrava ainda mais a desindustrialização do país.

Um catastrófico cenário que, diferentemente do que é propagado pelo governo federal e por muitas empresas de comunicação, não será superado com o aprofundamento de Reformas Desestruturantes geradoras de desestabilização social e que vem sendo feitas (em maior ou menor grau) desde os anos 1990, mas sim, pelo retorno da imaginação criativa e pela construção de um urgente Projeto Nacional de Desenvolvimento.

*Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Crédito da foto: Foto Gerd Altmann / Pixabay

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Um Comentário

  1. Só dando risada. ‘Pulou’ o desenvolvimentismo de JK que com inflação construí Brasilia e deu com os burros n’agua. ‘Pulou’ as crises do petróleo que acabou com o milagre econômico. ‘Pulou’ a corrptocracia Molusco-Petista. E a receita é tentar de novo algo que já não funcionou no mínimo três vezes.
    O que leva a próxima questão. Quem faria o Plano? Politicos que nunca trabalharam na vida? Servidores públicos idem? Economistas tecnocratas para quem o ser humano é um numero numa planilha? O que leva a constatação otimista, esquerda está sem discurso. Ideologia já não explica mais o mundo e tentam ‘socar’ o pino redondo no buraco quadrado.
    Tem mais. Existem muitas modificações em andamento impossibilitando o sucesso de qualquer plano. Honda vai fechar a planta em Swindon no Reino Unido. Emitiu nota afirmando que não tem nada a ver com o Brexit. Problema é regulação das emissões e o carro elétrico. Algo como 3500 empregos indo para o ralo.
    Politicamente ‘Os donos do poder’ de Faoro nunca esteve tão atual com uma ressalva. As grandes corporações mundiais ressurgiram (vide Companhia das Indias). Alás, como aconteceu em terra ianque os donos das redes sociais irão influenciar as eleições tupiniquins. Como o Cavalão usou muito bem as ferramentas na eleição anterior vão tentar negar acesso ao time dele. Como Boulos trabalhou bem na ultima eleição também vai sofrer censura. PT tenta criar militância virtual desde 2011 pelo menos e não decolou (por que será?).
    A pergunta que não quer calar, até onde aguenta a CF88? E a CLT? Porque Estado de Bem Estar Social não se faz por decreto, boas intenções, etc. O mundo está mudando e não necessariamente para melhor.

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