Saúde

CRÔNICA. Orlando Fonseca e o vírus da burrice

Vírus da burrice

Por Orlando Fonseca*

Não sei se existe um vírus da burrice, mas o certo é que uma pandemia de ignorância tomou conta do planeta antes do Covid-19. Ainda que estejamos sentindo o efeito mais próximo, daquilo que os brasileiros são capazes, a verdade é que no mundo todo se espalhou o contágio. Trata-se, segundo considerações do falecido Umberto Eco, da promoção global do “idiota da aldeia”, que não prejudicava a coletividade, entretanto, com o crescimento das redes sociais, criou-se o drama, segundo ele: “[a internet] promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”, e uma legião de imbecis foi promovida a guru. Diante de uma pandemia como a que estamos nos confrontando hoje, com o novo coronavírus fazendo estragos por toda parte, assistimos estarrecidos a autoridade máxima do país vir a público dar um péssimo exemplo. Este, mais do que as palavras, deveria ser a referência para o povo, mas, quando lembramos que é este mesmo povo que o aplaude como mito, damo-nos conta de que aquele vírus hipotético supracitado já fez muitas vítimas por aqui.

Vírus me parecem minúsculos seres inteligentes. Morrem aos bilhões, silenciosamente, mas se reproduzem na mesma escala e matam aos milhares, o que faz um estardalhaço na raça humana. Durante algum tempo, algumas décadas até, parecem desaparecidos com a reação da ciência, e dos medicamentos mais poderosos. No entanto, sem mais avisos, reaparecem com mais força destruidora. Inteligentes, modo de dizer, porque esses minúsculos seres padecem da desconfiança de que nem seres vivos sejam. Vírus são agentes invasivos, precisam de uma célula para obter nutrientes e ter energia, então se reproduzem de modo surpreendente: um único vírus é capaz de multiplicar, em poucas horas, milhares de novos vírus. A comunidade científica se depara com as diferentes percepções sobre o que vem a ser vida, mas uma coisa é certa, a presença massiva dos vírus em todos os reinos da natureza, e sua origem, aparentemente, é tão antiga quanto a própria vida na Terra.

A denominação Vírus, para estes pequenos soldados infecciosos, vem do Latim e significa “veneno” ou “toxina”. Desde meados do século XIX, cientistas travam uma verdadeira batalha para enxergar a “vida diminuta” (nas palavras de Pasteur) capaz de provocar doenças. Vermes, micróbios, bactérias, micro-organismos, coisas que foram aparecendo nas pesquisas e nas lâminas de microscópios, cada vez mais aperfeiçoados. E foram inúmeras as pesquisas até chegar no que passou a se chamar “vírus”, na virada para o século XX. Das verdadeiras revoluções sanitárias que envolviam, imagine, lavar as mãos, passando por procedimentos de prevenção e vacinas, até os poderosos antibióticos, a ciência foi derrubando teorias míticas sobre a origem das doenças. Várias doenças epidêmicas foram sendo erradicadas, ao longo do século passado, e foi-se criando uma consciência a respeito de cuidados e tratamentos. Era o que se pensava, antes da proliferação dos vírus culturais denominados fake news, transmitidos nos bate-papos das redes sociais.

Um vírus da burrice também se aproveitaria da boa fé de algumas pessoas e da má-fé de outras para se propagar. Em si mesmo, não se sustentaria, como a teoria do terraplanismo, de que o comunismo é contagioso, de que as vacinas têm efeito maléfico no organismo e não protegem de nada; que a pandemia do coronavírus é uma gripezinha, um vírus criado por laboratório chinês para derrubar a economia mundial. Só existe um remédio para isso: recolhimento para leitura. Livros, revistas especializadas, artigos, obras literárias são parte deste tratamento. O melhor seria uma quarentena na biblioteca.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do editor: Crédito da Imagem: Divulgação

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo