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É direito do leitor saber o time do repórter, do narrador e do comentarista – por Carlos Wagner

Tradição imposta, que se consolidou nas redações, como tantos outros tabus

A imprensa do Brasil tem muitos tabus. Um dos mais antigos e sagrados é aquele que vende para os leitores a imagem de que repórteres, narradores e comentaristas esportivos não têm time de futebol do coração. Não sei quem inventou essa história. Lembro-me que quando comecei a trabalhar em redação de jornal, em 1979, ela já existia há muitos anos. Continua existindo nos dias atuais e pelo visto ainda vai muito longe.

O foco da minha carreira de repórter é a cobertura de conflitos agrários (sem-terra/fazendeiros/índios/garimpeiros), migrações (povoamento das fronteiras agrícolas) e crime organizado nas fronteiras. No meu caso, como me disse certa vez um colega da editoria de esportes, posso ter time do coração, porque sou um torcedor. Torço para o Internacional, de Porto Alegre (RS).

Nos últimos meses tenho conversado muito com estudantes de jornalismo e colegas repórteres das redações dos jornais do interior do Brasil sobre esse assunto. Por quê? Essa é a razão da nossa conversa.

Vamos começar a conversa lembrando que a seleção que a natureza faz entre as espécies é simples: quem não evolui, desaparece. Essa lei vale para o exercício do jornalismo. E os dias atuais são uma das mais duras provas para a continuidade da nossa profissão, por conta das novas tecnologias que geraram as redes sociais.

Antes de prosseguir contando a história. Simplificando as coisas: existem duas redes sociais, a do mal e a do bem. A do mal é aquela operada pelas milícias digitais, que a usam para tentar nos destruir com fake news e outras ilegalidades, com o objetivo de fazer triunfar a versão deles dos fatos. Precisamos ficar atentos a esse pessoal. E a do bem, que é aquela operada por pessoas que a usam para colocar a sua opinião e pedir explicações sobre o que escrevemos.

Voltando a contar a história. Hoje é exigido do jornalista transparência no exercício do seu ofício e uma atenção muito especial para os erros cometidos nas matérias, por menores que sejam. Admiti-los e corrigi-los é a nossa obrigação. Omiti-los é crime.

O que descrevi são os nossos dias atuais. Dentro dessa realidade do jornalismo insistir que os repórteres, narradores e comentaristas do esporte não têm time de futebol do coração é uma insanidade. Por quê? Tenha ou não um time, não é isso que vai determinar a qualidade do seu trabalho. Mas sim o seu compromisso com a verdade perante o leitor, como qualquer outro jornalista. E também as leis que regulamentam a nossa profissão.

Não existe ninguém neutro no mundo. Muito menos jornalista. De certa maneira, as editorias de esporte já se deram conta de que essa história de “jornalistas sem time de futebol” já foi longe demais. Tanto que começaram a aparecer dentro das redações colegas identificados publicamente com o seu time.

Lembro-me que em Porto Alegre, no jornal Zero Hora, por muitos anos o jornalista Paulo Sant’Ana defendeu de peito aberto o Grêmio. Ele faleceu em 2017 e teve uma das carreiras mais bem-sucedidas no jornalismo nacional.

Lembro o seguinte. Hoje sempre que um time entra em crise, as torcidas organizadas vão para as redes sociais xingar os jornalistas. Geralmente os acusam de serem torcedores do adversário. Creio que é hora de começarmos a falar sobre a história do “jornalista sem time de futebol”. Ela não existe. Todos sabem disso.

Claro que o repórter não vai para a cobertura do jogo vestindo a camiseta do seu time. Muito menos para a redação. Hoje o futebol é um negócio como qualquer outro. Grandes somas de dinheiro circulam no meio. O grau de profissionalismo, tantos dos jogadores quanto de dirigentes e administradores, é enorme.

Em um ambiente assim, o que o repórter escreve ou comente ou narra tem um peso enorme. Portanto, ele não pode trabalhar com uma adaga suspensa sobre a sua cabeça, que é o caso de ser torcedor de um time. Ainda mais no Brasil, onde o presente de nascimento das crianças é uma camisa do time do pai.

A história do “jornalistas sem time de futebol” é uma tradição na imprensa esportiva. Portanto, não é uma coisa que acabará por decreto. Tenho dito nas minhas conversas com os estudantes de jornalismo e repórteres das redações do interior do Brasil que essa história começará a ser mudada no trabalho do dia a dia.

E temos que começar a deixar cada vez mais claro aos leitores que ela não existe. Mas que foi imposta e acabou se consolidando dentro das redações como tantos outros tabus que existem e ninguém sabe quem é o seu autor. Simplesmente os seguem.

Lembrem o que falei logo que começamos a nossa conversa sobre a lei da natureza? Derrubar os tabus nas redações é fundamental para arejar o exercício da nossa profissão. Principalmente aqueles que nos tornam mais transparentes ao nosso leitor. Lembramos que futebol é um assunto sério no Brasil.

PARA LER A ÍNTEGRA, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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4 Comentários

  1. Nos EUA já existem canais de Youtube criados por jornalistas saídos de grandes empresas. Gente independente. Falavam mal de Trump, mas reconheciam os acertos. Biden não fez muito até agora, mas recebe elogios e criticas. Coisa profissional, não comprometida com uma causa. Até porque feito por gente inteligente, que sabe que o raciocínio mecanicista geralmente dá com os burros n’água.

  2. O que leva a teoria critica, muito em voga nos cursos de jornalismo (direito também). A preocupação de controlar até o idioma, o politicamente correto, as ‘microagressões’, os pronomes neutros, etc. Herbert Marcuse e a tolerância repressiva. ‘A tolerância libertadora, então, significaria intolerância contra movimentos da direita e tolerância com movimentos da esquerda.’ Coisa que vem de antanho (a ideologia de esquerda é um bricolage de paráfrases vendido como algo original), Platão já falava no rei-filosofo (vide teoria do grande homem) ou déspota benevolente.

  3. Bem e mal é simplificação marota. Vem do Zoroastrismo, do Maniqueísmo, do Judaísmo (em bem menor grau), do Mitraismo romano e do cristianismo. Resultado é que os mesmos que viravam almoço de leões no Coliseu séculos depois queimava gente na estaca.
    Milícias digitais, quem define o que é isto? Desde 2011, pelo menos, o PT criou as MAV’s, militância em ambiente virtual. Isto pode? Fake News é uma noticia com fatos mentirosos ou distorcidos produzidos fora da mídia tradicional? E quando esta faz exatamente a mesma coisa, qual é o nome?

  4. Obviamente está longe de ser assim tão simples. Ao fim e ao cabo, o problema todo é a falta de profissionalismo. Jornalistas utilizando a profissão para moldar a opinião pública com a finalidade de atingir objetivo do time a que pertence. Obvio que a mentira tem perna curta e pobre, principalmente no Brasil, se fosse burro não sobreviveria.
    Futebolisticamente, não é difícil saber qual é o time dos jornalistas. Basta notar o nível de irritação da criatura no dia seguinte a derrota do mesmo. Não chega a ser problema. O estorvo começa quando extrapolam as informações disponíveis e com as conclusões criam problemas para os clubes. Não acompanham treinamentos (geralmente é fechado por motivos óbvios) e querem escalar o time. Quando o resultado é favorável ficam quietos. Quando não ‘se tivessem feito como eu disse teriam ganho’.
    Sem saber do orçamento e do fluxo de caixa fazem transações imaginárias ou anunciam negócios baseados em fofocas. Isto quando não aceitam um ‘mimo’, já vi mais de um dizer que Neymar é melhor do que foi Pelé. Obvio que tem um ‘argumento’ acompanhando.

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