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Mães de mentira, guerra de verdade – por Bianca Zasso

A colunista e “Mães Paralelas”, a mais recente obra de Pedro Almodóvar

Aguardar com ansiedade a nova obra de um artista que já provou mais de uma vez seu talento é algo natural entre os amantes da arte. Desde que as primeiras imagens de divulgação de Mães Paralelas, novo trabalho do espanhol Pedro Almodóvar, surgiram na internet, muitos foram os comentários repletos de expectativas.

Afinal, lá estavam a talentosa Penélope Cruz, a jovem cheia de potencial Milena Smit e todos aqueles tons de vermelho que fazem do criador de Tudo sobre minha mãe um dos grandes do seu tempo.

A polêmica, outra característica sempre presente em Almodóvar, ficava por conta de um dos cartazes do filme que mostrava um seio com uma gota de leite. Pena que as vantagens da amamentação, como garantir a saúde do bebê e seu vínculo com a mãe, não tenham entrado na receita de Mães Paralelas.

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que a nova empreitada do diretor espanhol está longe de ser ruim. A alma almodovariana que conquistou cinéfilos mundo afora está presente mesmo neste roteiro perdido e repleto de equívocos.

A proposta de Mães Paralelas é acompanhar a jornada materna de duas mulheres com perfis diferentes, mas que se unem ao darem à luz na mesma maternidade. Enquanto Janis (uma inspirada Penélope Cruz) beira os 40 anos e está feliz com a chegada de sua filha, Ana (Milena Smit) é uma adolescente que pouco tem à sorrir diante da chegada de sua bebê.

Esse encontro corre ao lado de outro tema dentro do filme: a investigação sobre o local onde estão enterrados os corpos do avô e dos tios de Janis, ocorridos durante a Guerra Civil Espanhola. Com tantos elementos interessantes, poderíamos estar diante de um longa sobre ancestralidade e que valoriza a potência que muitas mulheres ganham ao se tornarem mães. Mas temos quase nada disso como resultado.

Almodóvar se perde nas emoções na primeira parte de Mães Paralelas, logo ele, um mestre do melodrama moderno. Somos apresentados a personagem Janis de forma muito rápida e, quando menos esperamos, lá está ela indo parir sua pequena e encontrando Ana e criando uma relação intensa, mesmo em poucas horas.

É quando a câmera de Almodóvar se dedica mais a essa personagem, trazendo a nova rotina de Ana em apenas alguns minutos. São mães paralelas, mas estamos caminhando mais ao lado de apenas uma delas. A segunda etapa é melhor trabalhada, especialmente no drama que envolve as duas mulheres e suas filhas.

Penélope e Milena dão o melhor de si como intérpretes e proporcionam os melhores momentos da produção. Mas e a guerra e seus desaparecidos? Aparece aqui e ali, sem muita profundidade, apesar de ser o tema central da cena final do filme.

Em paralelo (sem trocadilhos) com essas temáticas vagas e largadas dentro do roteiro, Mães Paralelas ainda conta com detalhes um tanto irritantes para as mães espectadoras. Por mais que o universo de Almodóvar tenha toques fantásticos, seu trabalho neste longa se propõe a ter os dois pés no mundo real…menos quando apresenta uma mulher com um bebê recém-nascido maquiada e levemente descabelada.

Janis queixa-se de cansaço algumas vezes, mas nunca a vemos vivendo o que a leva à exaustão. Nenhuma fralda vazando, nenhum choro intermitente na madrugada, nenhuma amamentação cansativa. O leite que jorrava do peito no cartaz não está registrado na película.

Artistas devem ter liberdade para criar seus mundos, mas uma boa pesquisa tornaria Mães Paralelas mais verossimilhante e atraente. Não apenas para o público materno, diga-se de passagem.

Almodóvar surgiu para o mundo com cores fortes, sexo e histórias mirabolantes. Seus exageros eram encantadores e ele soube manter o melhor deles mesmo ao entrar em uma fase mais elegante, que trouxe maravilhas como Fale com Ela e Volver.

Sua criatividade é inquestionável, mas após um tempo tão difícil como o que o público passou durante a pandemia, esperávamos do espanhol algo mais intenso, transbordando vida e sabor para aquecer nossos corações.

Uma sessão de Mães Paralelas, que está em cartaz em alguns cinemas e também disponível na plataforma Netflix, passa longe de ser uma péssima experiência. Mas saímos com a impressão que Almodóvar podia ter saciado nossos sentidos de forma mais completa. Um filme como as madrugadas maternas, onde a solidão acontece ao lado de um pequeno ser que ainda não sabe falar, mas já tem muito a dizer.

Mães Paralelas (Madres Paralelas)

Ano: 2022

Direção: Pedro Almodóvar

Disponível na plataforma Netflix

(*) Bianca Zasso, nascida em 1987, em Santa Maria, é jornalista e especialista em cinema pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Cinéfila desde a infância, começou a atuar na pesquisa em 2009. Habitualmente, seus textos podem ser encontrados aqui às quintas-feiras.

Observação do Editor: as imagens que ilustram este texto são de Divulgação.

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Um Comentário

  1. Polemica por conta de um cartaz de filme? Não creio. Internet está cheia de coisas muito mais ‘chocantes’. Guerra Civil Espanhola? Ideologias ultrapassadas por falta de futuro ficam lutando guerras do passado. E, obvio, grande maioria não vai ver o filme. Não tem super-heroi.

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