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Mestre Olívio – por Orlando Fonseca

Uma lição que o professor Olívio Dutra nos deixou é que ou o capitalismo se garante, ou não é possível acreditar numa economia de mercado, sem a intervenção do Estado. Sim, eu sei, Olívio Dutra foi bancário por profissão, embora tenha se formado em Letras pela UFRGS. A indicação acima refere-se mais à lição do que à pessoa do ex-governador, cuja ação lhe rendeu uma pecha histórica – tirou-lhe um segundo mandato – mas, acima de tudo, a visão de um agente público voltado às causas do trabalhador e não dos empregadores. E o que estou dizendo decorre do fato de a Ford ter anunciado, duas semanas atrás, o fim de suas atividades no Brasil.

Olívio foi governador do Rio Grande do Sul de 1999 a 2003, o primeiro de um político do Partido dos Trabalhadores. Seu mandato foi marcado pela suspensão do acordo realizado, no governo anterior, quanto à instalação das montadoras Ford e General Motors no Estado. A justificativa para a medida adotada pelo petista estava no fato de que as negociações envolviam elevadas isenções fiscais e empréstimos com juros baixos, para financiar a instalação das fábricas. Como a renegociação do acordo proposta pelo governador não agradou aos executivos da Ford, esta suspendeu a implantação, enquanto a GM aceitou e permaneceu, levando adiante o seu projeto. Na ocasião, o Galo Missioneiro produziu uma sentença, que hoje, vinte anos depois, semelha uma profecia: “Essa empresa quer incentivos fiscais que as nossas não têm. O dia que achar que o Brasil não serve mais, vai embora e não dá nem tchau”.

Na verdade, o setor automobilístico vem sofrendo transformações imensas nas últimas décadas. A saída da Ford do país não se deve apenas à crise gerada pela pandemia, ou à suspensão de subsídios governamentais, se assim fosse, não dá para desconsiderar que a mesma empresa permanecerá com as operações na Argentina, a qual, como sabemos, tem vivido em condições econômicas e sociais bem piores que as nossas. As razões devem ser buscadas na falta de modernização da planta industrial e linhas de montagem, hoje ocupadas por robôs. A produção de carros menos poluentes, movidos a eletricidade, também enseja mudanças. Não apenas no caso da Ford, mas de toda a produção industrial, e mesmo agrícola, o uso da máquina e da Inteligência Artificial vem fazendo uma profunda mudança, que vai atingir, para além do mundo dos negócios, a vida humana no Planeta.

Estamos vendo o fim de empregos e mudança de rumo dos negócios, mas estamos na iminência de nos deparar com profissões desaparecendo. Isso não vai apenas aumentar os números do desemprego, vai gerar a necessidade de que a sociedade se prepare para uma nova ordem social; as universidades precisam mudar seus currículos para atender novas demandas, e mesmo demandas que ainda nem se apresentaram, mas que dão sinais de que serão realidade muito em breve. Seria interessante analisar como os chineses aprenderam com o tempo, assimilando a transferência de tecnologia das empresas que lá se instalaram, explorando mão de obra barata, e agora se anuncia como uma potência econômica deste século. O caso do 5G e da Huawei (chinesa) é um bom exemplo para que Bolsonaro e sua turma aprendam a duras penas, que não se faz política externa com bravatas: apostou em Trump, criticou a China, e agora pode comprometer os negócios com o maior parceiro comercial do país. Se não quer que mexam com as decisões internas no Brasil, precisam entender que não se pode mexer com a soberania dos outros.

O professor Olívio não falou, mas os desdobramentos daquela sua observação, no século passado, indica que o capitalismo mundial terá de sofrer profundas mudanças pós-pandemia: globalização como um sistema solidário diante de temas como clima, preservação do ambiente, direitos humanos – novo normal, nova ordem mundial, em que a liberdade não seja um ativo de meia dúzia de bilionários, mas que a produção de riqueza seja um bem de todos; o Estado mediador entre a assistência aos mais necessitados e o desenvolvimento econômico.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Crédito da imagem: PT / Divulgação.

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6 Comentários

  1. Ôpa! Dizer que por professor de Português e bancário Olívio Dutra não conhece nada de economia é menosprezá-lo. Qualquer bancário entende e muito de economia. Trabalhamos no meio. Agora, desde a Ditadura e os anos que vieram depois qual guru da economia resolveu os problemas brasileiros? Porque uma empresa da estatura da Ford precisa de incentivos fiscais? A GM ficou. A Ford ganhou na Bahia e foi embora. Contra fatos não há argumentos. Olívio Dutra estava certo. Sinto muito!

  2. Teoria do Grande Homem à parte, a resposta é sempre a mesma. Para ‘consertar’ é necessário acabar com o capitalismo. E ‘pagar pau’ para a ditadura do Partido Comunista Chinês (que, por sinal, também é PCC).
    Existe um caveat nesta história. Chineses defendem seus interesses e fazem o que acreditam ser melhor para um bilhão e meio de pessoas. Brasil tem que decidir o que é melhor para nossos duzentos e tantos milhões. Pensando no mundo real, não nas próximas eleições.
    O mundo que Olívio Dutra sonha tem toda chance de acontecer. Vejam só como Olívio é um ‘cara legal’! E otimista, mudar o mundo só falando e produzindo textos. Porque quando teve a caneta foi um desastre. Até o próprio partido reconheceu.

  3. O caso do 5G (que é uma maravilha até começar a ‘funcionar’, mas é outra historia, pessoal não sabe que tem que existir uma ‘torre’ a cada 150 metros) já foi abordado até na aldeia. Deni Zolin explicou no Sala Vermelha do Diário o que é um Trojan de Hardware. Politicamente para quem viu o Muro de Berlin ir para o chão pode ter a oportunidade dos EUA argentinizarem.
    Quanto a China, para quem acha que negociar é arriar as calças e ficar na posição que Napoleão perdeu a guerra, a China está colonizando a África. Ou seja, nossas commodities num futuro não muito distante perderão valor. Voltamos à crise do café do inicio do século passado. Por enquanto não existem muitos fornecedores para atender as necessidades chinesas, logo não é bem assim.

  4. Os maiores avanços na pesquisa da Inteligência Artificial atualmente acontecem em empresas privadas. DeepMind AlphaFold da Google ‘resolveu’ o problema do enovelamento de proteínas, algo que pendia há 50 anos. Aconteceu o debate, um algoritmo poderia ou não ganhar um Nobel?
    Google, Penguin Random House, Apple, Hilton, IBM, Bank of América entre outras não exigem mais um bacharelado de quatro anos no recrutamento de certas posições.. Considera-se que o curso de Ciência da Computação se torna obsoleto três ou quatro anos após o termino. Melhor pegar alguém só com o segundo grau e ‘formatar’ conforme as necessidades da empresa. Lembra as corporações de oficio medievais.

  5. Subsidios têm uma característica, ou terminam ou se tornam irrelevantes. França anos atrás segurava os jovens no campo com um ‘auxilio’. Valor não cresceu por problemas de caixa e o que estava sendo evitado aconteceu, migrações relevantes. Industria automobilística no Brasil foi ‘segurada’ com isenções de IPI (e outros). Crise no setor devido a mudança no perfil de consumo e o surgimento do carro elétrico alteraram a conjuntura.
    Muita gente ‘intevencionista’ não conhece um principio básico. Não se instala indústria em qualquer lugar. O objetivo é fornecer bens para um mercado consumidor ao menor custo possível. O sistema busca otimização. Qualquer desvio disto reclama uma compensação. O que leva a outro assunto, a guerra fiscal. Esta existe em muitos lugares do mundo. Atualmente acontece um êxodo de empresas (e pessoas) da Republica Socialista da Califórnia.

  6. Olívio não concorreu ao segundo mandato. Manobra de Tarso, o intelectual, o afastou da eleição. Não estava escrito nas estrelas que perderia a eleição.
    O que se vê é mais uma tentativa de reabilitação de Olívio, uma espécie de Mujica local. Omite-se ‘detalhes’. O que se viu foi uma tentativa atabalhoada de um politico de esquerda detentor de mandato tentar intervir na economia. O que um professor de português e bancário entende de mercado e capitalismo? Só sabe que tem que falar mal. Olívio declarou que revisaria o contrato com a Ford. Detalhe: uma parte do financiamento via Banrisul já tinha saído, é grande parte do dinheiro que empresa foi condenada a devolver depois.

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