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Centrão – por Orlando Fonseca

O Plenário da Câmara dos Deputados iniciou sessão extraordinária destinada a continuar as votações, por temas, da reforma política (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Para que precisamos de um centro, quando falamos no espectro político? No Brasil de hoje, o que isso poderia significar? Como mais uma das nossas idiossincrasias, quando este tipo de coisa aparece no aumentativo, “centrão”, assim como em outras situações, não implica maior qualidade. O desconhecido porteiro nos chama “e aí, amigão”? O goleiro que toma um frango é chamado de “goleirão”, o campeonato de futebol que envolve clubes de todas as regiões é o “Brasileirão”, mas não sei se isso vem ao caso, quando tratamos do ente supracitado. Que precisamos de um centro na vida republicana não há dúvida, e, inclusive, é preciso definir com clareza o que seja. Agora, quando elevado(?) ao grau aumentativo, a história tem-nos revelado episódios nada superlativos.

Nos últimos anos, criou-se no senso comum nacional, a noção (ou falta dela) de que não existe essa coisa que a História (assim com letra maiúscula) nos trouxe de “esquerda” e “direita”. Diga-se de passagem, quando não se trata de má-fé, tal observação é feita por quem perdeu as aulas da dita disciplina, não tem absorvido conhecimento de fontes confiáveis ou mal consegue elaborar conceito para uso imediato. A internet está repleta de memes e anedotas sobre este tipo de “intelectual tropical” e suas peculiaridades, dentre os quais um que o Tim Maia popularizou, com suas tiradas desconcertantes: o pobre de direita. Dentre outros, tem o que defende a liberdade de mercado, e desconhece como isso se faz; o que faz arminha, para dizer que a flexibilização do porte de arma é um direito de todos, mas reclama da violência e nem tem dinheiro para comprar sequer munição. Enfim, a fauna é imensa.

Como cantava o Cazuza, na efervescência da redemocratização do país: “Ideologia! Eu quero uma pra viver!” Banalizava o tema, acompanhando a lenta convalescença do Brasil, saído de uma ditadura militar e comandado por velhas raposas da política nacional.

Como se fosse algo que se pudesse comprar em uma butique ou no Shopping Popular. Além do mais, por se tratar de um modo particular de perceber o mundo, todos já temos uma. Basta que para isso se dê atenção ao que se ouve, ao que se lê, ao debate público, às aulas de História, aos comentários de especialistas, em jornais, ou mesmo em programas televisivos. Da formação básica do senso comum, algo que nos faz construir uma gramática do que é viver em sociedade, vamos acrescentando informações, dados, referências, que nos possibilitam qualificar a visão, a expressão, a argumentação, enfim, (o que tem faltado hoje em dia) senso crítico. Quando não se faz isso, o senso comum assume o centro do discurso e o debate fica raso.

Por isso é que chegamos, no Brasil, a uma polaridade de baixa densidade. Se as pessoas que defendiam não haver direita e esquerda prestassem atenção, entenderiam que entramos em um paradoxo, para não dizer um beco sem saída, ou uma luta esquizofrênica. A tal polaridade não passa de uma disputa política reduzida ao “nós contra eles”, não importa o que isso represente de bom para o país. E aí é que entraria o tal do “centro” citado acima, como um espaço de convergência, para que pudéssemos chegar a uma convivência pacífica e digna.

Em uma democracia, a disputa pela hegemonia de ideias deve resumir o interesse da maioria, o que se dá pelo voto, depois de um debate de ideias e proposições, em busca de um consenso. Não se pense que a melhor sociedade é aquela em que todos pensam da mesma forma, mas sim a que o pensamento de todos é uma síntese de vários pontos de vista. Havendo um centro, este define a tal da “res publica”, o bem comum, o interesse geral. O Centrão, como tem-se dado no Congresso Nacional, é um excrescência, pois não reúne visões ideológicas, mas fisiológicas, interesses particulares, busca por cargos ou vantagens pecuniárias. Não é republicano, usa as regras democráticas de modo idiossincrático, não tem um projeto para o país, pois é casuístico e segue o líder de plantão. Ou os eleitores acabam com o Centrão, o ou Centrão vai acabar com a democracia, e por conseguinte, com a ideia de um país melhor.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Crédito da foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

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5 Comentários

  1. Aparentemente os comentários saem de cabeça para baixo segundo o horário. Texto fica com a cabeça onde deveriam estar os pés.
    Musk, o empresário, colocou em voga Aristóteles, que faz muito mais sentido. ‘Não se pense que sabemos de algo até que estejamos familiarizados com suas condições primárias ou primeiros princípios e realizarmos nossa análise dos seus elementos mais simples. Claramente, portanto, na ciência da Natureza, como em outros ramos de estudo, nossa primeira tarefa será determinar o que se relaciona com seus princípios.’
    Primeira citação “Critica da Razão Pura’ e segunda ‘Fisica’. Coisas não de ‘intelectual tropical’, mas de ignorância subtropical.

  2. Centrão é um monte de gente e pode ser desqualificado inclusive da forma que foi. Surge da forma que está organizada a federação brasileira, mas é outro assunto. Tem muito de Faoro na discussão. Quanto a não ter ‘projeto para o pais’, chavão, defeito nenhum. Há quem tenha um amontoado de asneiras e chama de projeto. O que leva ao esotérico Kant. ‘A pomba li­geira agitando o ar com seu livre vôo, cuja resis­tência nota, poderia imaginar que o seu vôo seria mais fácil no vácuo. Assim, Platão, abandonando o mundo sensível que encerra a inteligência em limites tão estreitos, lançou-se nas asas das idéias pelo espaço vazio do entendimento puro, sem advertir que com os seus esforços nada adiantava, faltando-lhe ponto de apoio onde manter-se e segurar-se para aplicar forças na esfera própria da inteligência. Mas tal é geralmente a marcha da razão hu­mana na especulação; termina o mais breve pos­sível a sua obra, e não procura, até muito tempo depois, indagar o fundamento em que repousa’.

  3. Debate político no ocidente é tribal. Resultado da Teoria Critica da Escola de Frankfurt e uma certa pitada de Gramsci. Problema da dicotomia esquerda-direita (diferente da década de 90) é a China. Um partido comunista no poder, capitalismo darwiniano para certa parcela da população e fortes doses de confuncionismo. É esquerda ou direita? Existe liberdade, mas até a pagina dois. Uns são mais iguais que outros e, graças a Confúncio, todos acreditam que os sacrifícios são pelas gerações futuras. Tratam o tempo de forma diferente. Apesar de alguns sonharem com o mesmo modelo para o Brasil, obviamente não é possível “copiar o que dá ‘certo'”.

  4. Quando jogo uma pedra para cima ela vai acabar caindo. Dizem que em Kiribati também funciona. Mas se resolver fazer um canteiro quadrado com dois metros de lado para plantar radite, dependendo da trena, o lado pode sair com 2,5 metros. Ou 1,95. Na física falam que um gato pode estar meio morto ou meio vivo. Para uns nas humanas existem conceitos absolutos e indiscutíveis. indícios de totalitarismo.
    Questão é que o Muro de Berlim caiu. Grosso modo Samuel Huntington disse que os conflitos seriam dali pra frente causados por diferenças culturais e economia. Fukuyama afirmou que a historia tinha acabado, a democracia liberal capitalista tinha ganho a Guerra Fria, a historia teria acabado (provocação!). Bobbio afirmou que a direita defendia a liberdade e a esquerda a igualdade.

  5. No espectro politico centro é onde se reúnem os moderados, os dispostos a abrir mão momentaneamente de certos objetivos (até porque a conjuntura apresenta muitas restrições) para que as coisas possam ir adiante. Se a curva de Gauss não mente (e o teorema do limite central idem), os do meio são a maioria. Têm o defeito de sofrer de uma certa inércia.
    Um cachorro não sabe que é um cachorro e o mesmo vale para os gatos. Centrão foi a alcunha criada pela imprensa para um bloco de centro direita da Assembléia Constituinte de 88. Há que separar as idéias da pratica, não é de se esperar uma reunião de parlamentares brasileiros comportando-se como suecos e produzindo um documento suíço. Ficar chorando as pitangas porque ‘o mundo não é como eu queria que fosse’ além de infantil não resolve nada, perde-se tempo.

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