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Do Juiz de Fora à Lava Jato: Justiça? – Por Leonardo da Rocha Botega

Mais que o nome da cidade mineira, relação direta com fatos históricos atuais

Um dos grandes temas da História do Brasil tem sido a formação de suas instituições de poder. Autores como Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Fernando Novaes, João Fragoso, Laura de Mello e Souza, Stuart Schwartz, Maria Fernanda Bicalho, Alberto Gallo, entre outros, se debruçaram sobre o tema, sobretudo, para procurar entender como um pequeno reino, Portugal, conseguia administrar e manter o poder em um território tão grande como o Brasil.

Mais recentemente, a historiografia tem destacado as diferentes formas de acordos políticos e relações de clientela que se estabeleciam entre a coroa portuguesa, as elites locais e os funcionários do Estado colonial. E é a partir desse destaque que emergem as análises sobre a justiça colonial. Muitos dos estudos têm chamado atenção para figura do Juiz de Fora. Esse era um cargo nomeado pela coroa, vinculado à administração da capitania, exercido por alguém com formação em direito, que tinha como função participar das vereanças, presidir a Câmara Municipal, julgar casos criminais e proceder devassas.

Por ser uma figura que concentrava significativo poder e que devia ser exercida por alguém nascido em Portugal, a sua nomeação era precedida de muita negociação. Na maioria das vezes o enviado era solteiro e logo de sua chegada as elites locais “arranjavam” para ele um casamento. Assim ele passava a fazer parte do círculo de clientela municipal e, consequentemente, atender aos interesses de seu “novo” grupo.

Com a emancipação política do Brasil, as funções do juiz de fora foram incorporadas por outros cargos da Justiça Imperial. Porém, como muitos dos autores acima citados destacaram, as relações de clientela na justiça não deixaram de ser práticas corriqueiras. Nem mesmo com a implantação da República tais práticas foram extintas, muitas delas inclusive se aprofundaram e se refinaram.

As recentes revelações dos diálogos entre os agentes do judiciário que atuaram na Operação Lava Jato, a partir da quebra de sigilo das provas da Operação Spoofing, evidenciaram tal fato. Nas muitas páginas de diálogos tornados públicos até agora encontram-se inúmeras provas de uso indevido do cargo público. Sentenças, momentos de deflagração de operações e prisões, quais trechos de delações que deveriam ser utilizados ou descartados, que acordos deveriam ser propostos para os delatores, como os advogados de defesa deveriam ser tratados, tudo muito bem combinado entre quem investigava e quem julgava.

Tudo fora das regras e da moralidade que tanto se estuda para se entrar em um concurso de magistrado. A mesma moralidade que tanto era discursada com o objetivo de referendar a própria operação e construir os “super-heróis” togados. “Super-heróis” que longe dos holofotes midiáticos, na ocultação das mensagens, se revelam nefastos. Tão nefastos ao ponto de silenciosamente assistirem à falsificação de um depoimento para macular a honra de uma figura destacada como o ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, que, perturbado por ter sido exposto como um criminoso, acabou cometendo suicídio.

Um silêncio conivente, revelado em uma mensagem cínica indicando que a delegada responsável pelo caso “entendeu que era pedido” da Lava Jato e “lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada”. Um silêncio sádico que fez pouco caso da morte de um inocente. Um silêncio calhorda, mas conveniente com o interesse de colocar os interesses de seu grupo político acima de sua própria função.

Algo tão típico dos juízes de fora do Brasil Colônia. Algo que revela, nada mais, nada menos, do que a própria mentalidade colonial daqueles que operaram uma das maiores farsas de nossa História. Um silêncio que revela que nunca foi contra a corrupção! Nunca foi pela justiça! Mas talvez tenha sido pela recolonização! 

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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Um Comentário

  1. Ontem, numa rádio de SP, um humorista cantou antigo jingle de campanha ligeiramente modificado. ‘Lálálá rouba uma estrela, Lálálá, rouba a esperança, Lálálá, rouba até criança…’. Ou seja, burocracia estatal pode decidir o que quiser, nada muda.
    Cancellier (assim como Marielle) são assuntos do passado para grande maioria (deste pleonasmo não escapo). Assim como o Massaranduba da semana passada. De qualquer maneira o finado ex-reitor foi acusado de interferir numa investigação. Coincidentemente o filho foi denunciado posteriormente pelo MP sob acusação de peculato. O desenlace é problema dos envolvidos.
    O resto é mimimi.

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