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Há 70 meses e alguns dias, procurada viva ou morta a professora Cláudia, da UFPel – por Carlos Wagner

Parecia caso de solução fácil, mas tornou-se pesadelo sem prazo para acabar

Quem fez desaparecer o sorriso da professora Cláudia Hartleben, da Universidade Federal de Pelotas? (foto Reprodução)

Parecia ser um caso fácil de ser resolvido, mas tornou-se um pesadelo para as famílias envolvidas, sem prazo para terminar. E um exemplo de negligência da imprensa, que incentivou as vistas grossas para o caso da cúpula da segurança pública do governador gaúcho Eduardo Leite (PSDB-RS). O caso aconteceu no final da noite de 9 de abril de 2015, em Pelotas, a maior cidade da região sul do Rio Grande de Sul, com 340 mil habitantes e uma economia diversificada.

A professora Cláudia Hartleben, 47 anos (na época), do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). chegou, por volta das 20h, à casa de uma amiga, a veterinária Eliza Komminou, 34 anos (na época), para colocar a conversa em dia, como haviam combinado. Conversaram até as 22h e pouco, quando Cláudia pegou o carro e foi para casa, onde a aguardava o seu filho, João Félix Hartleben, 21 anos (época), estudante da engenharia química da UFPel. Uma câmara de trânsito registrou a passagem do carro da professora indo no rumo de casa, às 22h48min. A vizinha da professora, a sua mãe Zilá, ouviu o ranger do portão quando ela entrou em casa.

Cláudia nunca mais foi vista. A polícia encontrou os seus pertences, incluindo a bolsa, dentro de casa. Ela simplesmente desapareceu. Houve uma parceria na investigação entre o delegado da Polícia Civil Félix Rafanhim e o promotor José Olavo Bueno Passos, do Ministério Público Estadual.

Eram públicas na cidade as desavenças entre a professora e o seu ex-marido, João Morato Fernandes, 57 anos (na época), graduado em Oceanologia (1981), Medicina Veterinária (1992) e mestrado em Zootecnia (2011) com a tese Benzocaína e Óleo de Cravo Como Anestésico para Alevinos de Peixe-Rei. Em 2013, Fernandes foi acusado por Cláudia de violência doméstica e o caso foi registrado na Polícia Civil.

No final de 2015, a investigação policial havia rastreado 85 horas de gravação de vídeos das câmaras de segurança da cidade em busca de pistas e feito um retrato falado de um suspeito de ter sequestrado a professora. Depois de toda a investigação, o promotor e o delegado concluíram e indiciaram por homicídio, ocultação de cadáver e feminicídio o ex-marido e o filho.

O motivo do crime teria sido vingança, porque Fernandes teria sido prejudicado na partilha dos bens durante o processo de separação. Os dois negaram, e a Justiça não aceitou o indiciamento e a denúncia da promotoria. Em março de 2019, o promotor pediu o arquivamento do inquérito policial.

Até aqui enfileirei fatos conhecidos. Mas que sempre precisam ser lembrados e revisados. Sem o corpo é difícil a polícia e a promotoria obterem provas circunstanciais que convençam a Justiça. São raros os casos. Um deles foi o do goleiro Bruno Fernandes (passagens por Atlético-MG e Flamengo), que em 2010 foi acusado pela morte da atriz Eliza Samudio. Depois de morta, ela foi esquartejada e os seus pedaços dados para cachorros.

Com base em provas técnicas e testemunhais, Bruno foi condenado a 22 anos e três meses de prisão. Tecnicamente, o caso da professora Cláudia foi encerrado. E assim permanecerá, a não ser que surjam novas provas. Na prática, ele continua em aberto porque ainda é um assunto do dia entre os moradores da região. Enquanto a professora não aparecer viva ou morta a sua família manterá a esperança de encontrá-la, e sofrerá com isso. Os suspeitos pelo seu desaparecimento, o ex-marido e o filho, continuarão sendo suspeitos até que o caso seja resolvido.

Cláudia não é a única procurada viva ou morta pelos familiares e amigos no Rio Grande do Sul. Por exemplo: Cintia Luana Ribeiro Moraes, 14 anos, grávida de sete meses, desapareceu em Três Passos, interior do gaúcho, em 2011. E Sirlene Freitas Moraes, 42 anos, sumiu em 2005 com o seu filho Gabriel, sete anos. Nos dois casos existem suspeitos que estão livres porque não há corpo. E cavando-se mais fundo na história policial gaúcha, se encontram mais casos.

No episódio da professora Cláudia, uma coincidência de fatos, ocorridos em 2018, trouxe esperança a seus familiares e amigos de que o caso fosse remexido pelas autoridades policiais. Foi eleito governador do Estado o ex-prefeito de Pelotas Eduardo Leite (PSDB), tendo como vice Ranolfo Vieira Júnior (PTB), um experiente e competente delegado de polícia.

Ranolfo assumiu a Secretaria da Segurança Pública e colocou como chefe de Polícia a delegada Nadine Anflor, que montou uma política forte de prevenção à violência contra a mulher. Mas casos como os da professora Cláudia, da comerciante Sirlene e da adolescente Luana não fazem parte das preocupações da delegada Nadine.

Por quê? A imprensa não está nem aí. Nesse tipo de caso, a única esperança que os familiares tinham era contar com a imprensa para chutar as portas das autoridades e lembrá-las dos casos não resolvidos. Não é por outro motivo que os familiares das procuradas mortas ou vivas estão migrando para as redes sociais. Essa migração é um processo contínuo e permanente devido à perda de relevância dos jornais tradicionais.

Comecei a minha carreira na circulação. Entre os distribuidores de jornais existe uma coisa chamada “Câncer da Máquina”. Acontecia sempre que por opção editorial o jornal se afastava dos seus leitores e eles começavam a debandar para outras publicações. Uma explicação para quem não é jornalista. “Máquina” aqui se refere à rotativa que roda o jornal papel. A tecnologia mudou. Mas os leitores continuam indo embora quando o jornal se torna irrelevante. É um fato.

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

 (*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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2 Comentários

  1. Brasil teve 3739 homicídios dolosos de mulheres em 2019. Perto de 17,7 por milhão de habitantes. 1,77 por cem mil. No México numero é mais que o dobro. Europa tem números muito menores. De qualquer maneira o pessoal militante gosta de brincar com os números, existem mais de 100 milhões de mulheres no pais.
    Questão do judiciário leva a um erro que aconteceu há quase 100 anos, os irmãos Naves. Eram sócios de um primo. Este ultimo fugiu com uma grana e acoitou-se na fazenda do pai. Os irmãos após dois tribunais do júri, tortura, etc. foram condenados e cumpriram oito anos antes do autor do desfalque aparecer e constatar-se a inocência. Um deles morreu logo em seguida a soltura.
    O que leva a investigação policial. Tentam utilizar o método cientifico. Das provas tentam chegar a autoria e materialidade. Tentam evitar o viés de confirmação, fazer o inquérito partindo da premissa de que já sabem quem é o culpado.
    Caso citado não é o único. Não existem crimes não resolvidos somente no feminicídio. Querer que a policia brasileira resolva 100% dos casos não é realista, não acontece em pais nenhum do mundo.

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