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Há um dia como ministro da Saúde, Queiroga levou a primeira bola nas costas – por Carlos Wagner

No seu dia de estreia, médico já se obrigou a responder com um “não sabia”

Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, caminha no campo minado que se transformou o governo Bolsonaro (Foto Divulgação/EBC)

A gritaria dos secretários de Saúde dos estados começou na terça-feira (23/03), com as mudanças que o governo federal havia feito no sistema de contagem dos mortos pela Covid-19, que é administrado pela Secretaria de Vigilância em Saúde, um dos braços do Ministério da Saúde. A mudança exigia uma série de novas informações a respeito do morto, como CPF, número da carteira do SUS, nacionalidade e outras. Como não havia sido feita com aviso prévio, acabou represando as informações no sistema, que já opera no limite da sua capacidade devido o grande número de óbitos causados pelo vírus – já são mais de 3 mil diários.

Na mesma terça-feira, o novo ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga, 55 anos, assumiu oficialmente o lugar do general da ativa do Exército Eduardo Pazuello – que substituiu o médico Nelson Teich, que se demitiu um mês após assumir o posto antes ocupado por Luiz Henrique Mandetta, que foi demitido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Na quarta-feira (24/03), o dia que o Brasil chegou aos 300 mil mortos pela Covid-19, o novo ministro concedeu sua primeira entrevista coletiva.

O ministro respondeu a todas as perguntas com destreza, falando muito sem dizer nada. É do jogo. Respondeu de maneira direta a última pergunta da coletiva, feita pela repórter da Globo Maria Franceschini. Resumidamente, ela perguntou sobre as mudanças feitas, sem aviso prévio, no sistema de contagem dos mortos. Queiroga respondeu, também resumidamente, que não sabia da mudança e que não era maquiador de informações, mas médico – há farto material disponível na internet.

Em uma entrevista coletiva transmitida ao vivo, quando um ministro responde que não sabe o que estava acontecendo dentro do seu ministério, toca uma campainha dentro da cabeça dos jornalistas, alertando que alguma coisa estranha está acontecendo. Como não sabia? Não sei se a coisa toda foi planejada ou foi apenas obra de um burocrata. O fato é que foi uma “bola nas costas” do novo ministro da Saúde.

Lembro que, no ano passado, quando deu a sua primeira entrevista coletiva, Nelson Teich respondeu que “não sabia” quando os jornalistas perguntaram sobre a decisão tomada pelo presidente da República de incluir entre os serviços essenciais academias, salões de beleza e barbeiros.

Na ocasião, Teich se mostrou desorientado. Já Queiroga pareceu irritado. Antes de assumir o cargo, ele disse que seguiria a política determinada por Bolsonaro. O acordo foi tornado público – há matérias na internet. A pergunta é a seguinte. Se o novo ministro se comprometeu a seguir a política do governo, por que a “bola nas costas”?

A resposta é simples. Ele vai dar um novo perfil ao ministério, colocando nos seus quadros civis ligados às áreas da ciência. Isso significa que os mais de 20 militares que foram levados por Pazuello para o Ministério da Saúde vão perder os seus empregos. Eles fazem parte de um contingente de 6 mil militares de várias patentes que foram levados pelo presidente para trabalhar nos ministérios e são conhecidos como Os Generais de Bolsonaro.

Eles disputam os empregos na administração federal com outros grupos que apoiam o presidente, como nazistas, terraplanistas, neoliberais, ocultistas, supremacistas brancos, oportunistas de todos os calibres e o Centrão, que recentemente tornou-se a base parlamentar do governo.

O presidente costuma acomodar os interesses desses diferentes grupos. Inclusive do Gabinete do Ódio, que é formado pelas pessoas mais íntimas de Bolsonaro, incluindo seus três filhos parlamentares: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo.

Queiroga responde diretamente ao presidente da República porque a Saúde é o instrumento usado para colocar em prática a política de governo de negação ao poder de contágio e letalidade do vírus. No último dia 20, fiz o post “Quanto tempo dura no cargo o quarto ministro da Saúde em 26 meses e alguns dias?”

A quarta-feira (24/03) foi um divisor de águas no governo Bolsonaro. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, homem de confiança de Bolsonaro, fez um pronunciamento no qual ameaçou, sem citar o nome, o presidente de impeachment caso ele continuasse praticando a sua política genocida em relação à pandemia. Na gaveta do Lira há mais de 60 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. O presidente da Câmara sabe que se Queiroga seguir a política genocida de Bolsonaro vai dar uma grande lambança.

Foi por esse motivo que o presidente da Câmara havia indicado para ocupar o Ministério da Saúde a cardiologista Ludhmilla Hajjar, profissional conceituada e com conhecimento técnico e independência política para mudar os rumos da saúde. Ela foi detonada pela milícia eletrônica do Gabinete do Ódio e acabou desistindo do cargo. Bolsonaro optou por Queiroga.

Portanto, a “bola nas costas” pode ter vindo do Centrão. Pelo perfil dos seus apoiadores, o governo Bolsonaro é hoje uma rede de intrigas. Enquanto o país afunda na maior emergência sanitária da sua história. Para novatos no governo como Queiroga é como caminhar em um campo minado. Como dizem os castelhanos: la pelota em las espaldas pode ter vindo de qualquer um dos grupos que integram o governo. Inclusive dos amigos na trincheira.

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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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