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“Oh, mal destrutivo, condição da pobreza!” – por Michael Almeida Di Giacomo

Solidariedade faz um pouco melhor a vida de moradores em situação de rua

A exemplo do que ocorreu em 2020, devido aos dias de intenso frio da última semana, tivemos a exteriorização de um problema social gravíssimo; no caso, a triste realidade da população em situação de rua.

Esse segmento da nossa sociedade tem por caraterísticas – segundo a Secretaria Nacional de Assistência Social – ser heterogêneo, com diferentes realidades, mas que tem em comum a condição de pobreza absoluta, vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a falta de condições dignas de habitação.

À medida em que as prefeituras organizavam estruturas para receber a população vulnerável, muitas histórias emergiam em meio àqueles que – por necessidade ou contingências da vida – acabam por ser protagonistas de uma realidade cruel, que muitas vezes segue alheia aos nossos olhos e a nossa capacidade de prestar solidariedade.

Infelizmente, foi muito comum ouvir/ler argumentos similares ao que, certa vez, disse Bia Doria, esposa do governador de São Paulo, de que “a rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua”, e sua certeza de que “parte dos moradores de rua é formada por preguiçosos”. 

É claro que muitas pessoas em situação de rua não procuram abrigos públicos ou sociais porque são dependentes químicos, e nesses ambientes o consumo de qualquer droga – inclusive as legalizadas – não lhes é permitido.

Mas há outros motivos também.

Um dos mais comuns é que nos abrigos não permitem a entrada de animais de estimação. Assim, a pessoa prefere ficar sob o relento do que deixar seu “parceiro” sozinho, sem proteção, ao acaso.

Outro, não menos importante, é que não podem levar consigo pequenos pertences, como por exemplo, algum utensílio doméstico – que porventura possua, ou o colchão, que muitas vezes conseguiu com imenso esforço e lhe é útil nos demais dias de sobrevivência.

Certamente, há tantas outras razões de igual envergadura, a consubstanciar o que, por vezes, não é lembrado por aqueles que veem as pessoas em situação de rua como “anomalias” da sociedade – são todos Seres humanos, em direitos e em dignidade.

Há, ainda, aquelas situações monstruosas, como por exemplo, quando alguns moradores de rua são queimados enquanto dormem, são espancados por pura diversão de algum grupo de adolescentes de classe alta (ou embriagados), tem os poucos pertences furtados ou roubados. Sem contar quando são desrespeitados – para dizer o mínimo – pelos agentes do aparato estatal de segurança.

Nessas situações é que fico a me perguntar, quem é a anomalia em nossa sociedade?

Eu acredito ser difícil aos que tenham pouco conhecimento sobre o dia a dia dessas pessoas, enxergá-las como Seres humanos. Geralmente há uma situação de medo. Acaba por acontecer uma equivocada interpretação de que as pessoas em situação de rua são perigosas, irão nos assaltar. Lembra do “velho do saco”? Pois, é, desde pequenos somos levados a temer as pessoas que vivem sob essas condições. Infelizmente.

Veja, não está em mim querer que cada um de nós seja um novo Padre Lancelloti. Longe disso. Mas alguma vez você se dispôs a conversar um pouco com quem está em volta daqueles contêineres de lixo, a catar algo que possa vender ou mesmo comer?

Eu passei a compreender melhor a situação dessas pessoas quando, há alguns anos, li uma obra de George Orwell, “Down and out in Paris and London”, em tradução livre, “Na pior em Paris e Londres”. Publicado pela primeira vez em 1933. Trata-se de um livro de memórias, fictício, mas considerado autobiográfico.

Narrado em primeira pessoa, a obra traz um riquíssimo relato de como alguém que vivia de forma digna, com emprego e renda, acaba tendo que enfrentar a dura realidade de viver à margem de tudo.

O personagem principal, um escritor, relata episódios e aventuras vividas em meio aos miseráveis nas duas cidades. A fome e a falta de um lugar para pernoitar, era parte do cotidiano de muitos que por diversos motivos acabavam por depender da bondade de estranhos e de albergues sociais, privados ou de entidades religiosas.

É interessante que – quase um século depois, os relatos que li e ouvi das pessoas que estavam sendo abrigadas para proteger-se do frio se assemelham aos narrados na obra de Orwell.  Desavenças familiares, desemprego, expurgo social e outras, robustecem os motivos para que passassem a viver nas ruas.

Eu sei, é utópico imaginar que, ao menos em curto espaço de tempo, seja possível acabar com essa triste realidade.

Mas as redes de solidariedade, as ações vindas do Poder Público, de entidades privadas e de pessoas comuns, demonstram que é possível fazer a vida dessas pessoas um pouco melhor, mesmo que tenha sido somente por algumas noites.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Nota do Editor: a foto (sem autoria determinada) do padre Júlio Lancellotti é uma reprodução do portal Extra Classe (AQUI)

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