Contos

Olhos gateados – por Antônio Cândido Ribeiro

Pedro apeou do cavalo à sombra rala de uma pitangueira e dirigiu-se à sanga estreita de água cristalina. Lavou o rosto, molhou as melenas e com as mãos em concha sorveu o suficiente para matar a sede. Depois, trouxe o picaço até o ponto em que a sanga se alargava, formando um pequeno poço, e deixou que o animal bebesse à vontade. Saciados, retomou a marcha, esporeando a montaria com a energia necessária para o cavalo entender que era preciso alargar o trote. Precisava chegar na Estância da Guajuvira antes do anoitecer.

Pedro conhecia bem aqueles campos, que ia cortando com vaqueana destreza de muitas campereadas e de algumas escaramuças em revoluções. Só que, agora, sua pressa não dizia respeito a peleias entre estancieiros – os tempos eram de paz! – nem à busca de gado alçado para reunir em rodeio – o gado aprendera a lição das cercas e se habituara ao manejo. Fora chamado pelo coronel Juvêncio e estava atrasado. Deveria ter chegado na Guajuvira há dois dias, mas se detivera em um surungo no Povoado Novo e dormira empernado duas noites. Agora, precisava tirar o talo sem esfalfar o picaço. Por isso, a rápida parada na sanga, de onde tocaria até o Sangradouro e, depois, num último estirão, até a estância.

Mas Pedro não chegou e jamais alguém soube o que aconteceu com ele. Falaram em feitiço, bruxaria, em encontro com a Teiniaguá, com Boitatá e até com Anhangá-pitã. Para o coronel Juvêncio, de quem Pedro era empregado de confiança, foi simples ingratidão: o peão, enrabichado por algum rabo-de-saia, ganhou o mundo. E só não o esqueceram por causa dos olhos gateados de um piá recém-nascido que o coronel pegou para criar, lá no Alegrete, meses depois que sua filha Gonçalina foi morar na cidade com uma tia solteirona.

O AUTOR

Procurador da Fazenda Nacional e escritor, Antônio Cândido Ribeiro, mais conhecido como Candinho, é advogado formado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e debatedor no programa Sala de Debate, da Rádio Cultura/TV Diário e articulista do jornal Diário de Santa Maria. Já participou de cerca de 30 obras literárias e tem uma extensa colaboração na imprensa santa-mariense, tendo atuado como comentarista nas rádios Guarathan, Universidade, CDN e Antena 1; como apresentador/mediador na TV Câmara e TV Santa Maria; e cronista/articulista dos jornais A Razão e A Cidade.

Este conto foi publicado com autorização do autor. Crédito da imagem no topo da página: Maiquel Rosauro / Arquivo.

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