Deblay Galvão (1928-2021) – por Ronai Rocha
Um justo e sensível tributo a um reitor fundamental na história da UFSM
Faleceu ontem (dia 16), em Brasília, o ex-reitor da UFSM, Derblay Galvão, aos 92 anos. Quebro o longo jejum de escrita nesse blog para dedicar a ele uma memória de gratidão. É apenas isso que vou fazer, escrever um parágrafo para me fazer lembrar de novo o quanto o seu reitorado, no final dos anos 1970, foi um grande marco na história da UFSM, em especial no que diz respeito ao processo de abertura política que foi vivido na transição da década.
Para dizer de uma forma simples: Derblay, por assim dizer, peitou o “sistema”. Em uma época na qual as Assessorias de Segurança nas universidade federais metiam o nariz em tudo, ele foi tudo, menos subserviente. Quando João Figueiredo foi visitar a Exposição Agropecuária na UFSM, em 29 de setembro de 1979, a assessoria queria que ele mandasse apagar as pichações estudantis contra a ditadura, que haviam sido feitas na ponte da Avenida Roraima. Nada feito. “Quero que o presidente tenha uma visão realista do nosso campus”, foi a frase dele, e as pichações foram vistas por Figueiredo.
Um pouco antes, no mesmo ano, ele deu luz verde para que fosse realizado, em conjunto com a Câmara de Vereadores, um seminário sobre mudanças na legislação trabalhista. Para esse seminário os convidados incluíam um senhor de nome Luis Inácio da Silva, de apelido Lula. O seminário foi realizado em agosto, e Lula foi palestrante, junto a Tarso Genro e Carlos Alberto Chiarelli, entre muitos outros.
Derblay prestigiou o evento, contra a opinião de muitos que não gostaram da lista dos convidados. No mesmo ano, foi Derblay quem entregou a Adelmo Simas Genro o prêmio de primeiro lugar no concurso Felipe de Oliveira. Vou resumir: Derblay, por atitudes como essas, era respeitadíssimo na cidade, na imprensa, na comunidade universitária.
Havia quem o achasse avançado demais para a época, mas ele parecia saber muito bem o que estava fazendo, e era respeitado por isso. Foi na gestão dele que assumi, pela primeira vez, a Coordenação do Curso de Filosofia. Artheniza Weimann, a grande e inesquecível professora Artheniza, assumiu, na mesma data, a coordenação do Curso de Geografia, e o Reitor Derblay Galvão sempre manteve aberta a porta do gabinete para nos ajudar a navegar naqueles tempos.
Não vou incluir neste parágrafo o lado estritamente acadêmico de Derblay, pois aí a história seria longa demais: ele foi, pela experiência trazida do Centro de Ciências Rurais, uma peça decisiva na afirmação da pós-graduação da UFSM. E logo depois que deixou a Reitoria, ficaram tão evidentes os talentos dele que não houve outro caminho a não ser sua longa jornada em Brasília, junto ao MEC e a outros setores relacionados.
As histórias de Derblay na UFSM são muitas, e eu não sei como caracterizar em poucas palavras seu reitorado. Para mim ele sempre foi um modelo de profissional que sabia combinar a mais fina elegância de trato pessoal com a mais clara paixão pela boa administração universitária pela ciência e pela política com pê maiúsculo.
Só consigo pensar nele com gratidão pela pessoa que ele foi, e dele sempre vou recordar o respeito e o carinho que sempre teve comigo, mesmo nas horas difíceis. Ele era uma dessas figuras cada vez mais raras, tão raras que preciso escrever assim: um gentleman. Mas, acrescento, um cavalheiro que vinha com a formação política ao estilo maragato, quem sabe, petebista, segundo outras línguas.
Nunca conversamos sobre isso, pois para mim sempre bastou sua firme elegância de eleger, em primeiro lugar, os seculares valores da universidade pública.
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NOTA DO EDITOR: Ronai Pires da Rocha é professor aposentado da UFSM e, como (e bem mais que) o editor deste site, viveu aqueles tempos muito peculiares da história da instituição e da luta, nunca fácil, em defesa da democracia – dentro e for a dela. Derblay Galvão, nesse aspecto, ninguém duvida, é um protagonista. O artigo foi originalmente publicado no blog do autor e reproduzido com a autorização dele.
(*) A foto de Derblay, que ilustra este artigo, é de Reprodução.
Certa feita (sim, trollando a elegia) vi um repórter perguntar a um general (pode ser que seja o Mourão) sobre a década de 70. Militar respondeu que o que se ve é normal. Tres gerações para ela acabar. A primeira viveu a experiência. A prole sofreu as consequências. Na terceira já são histórias dos tempos dos avós. Ou seja, o famoso ‘os velhos morrem para que a humanidade vá adiante’.
Figueiredo não era de açúcar (pessoas diferentes valoram de forma diferente, basta perguntar a quem manje um pouco de filosofia). Até tinha um bom relacionamento com o Brizola.
Busílis é que, apesar de alguns pensarem que reitorar é construir prédios, o finado deve ter tido contribuições mais significativas para a UFSM do que atitudes pessoais. Estas se apagam nas areias do tempo. Conta mais o que fica. Disto pouco falam. Não é de espantar, aldeia lembra muito pouco o Dr. Mariano.