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Educação especial e formação da consciência histórica – por Demetrio Cherobini

“É preciso afirmar que todos são inteligentes e estabelecer uma meta elevada”

As discussões na educação especial costumam se centrar em dois temas: o diagnóstico clínico dos estudantes e os recursos metodológicos usados no ensino. São debates importantes, mas não esgotam a complexidade dos problemas concernentes a esse campo do saber. Sobretudo, não contemplam a questão principal, referente ao objetivo a se atingir, isto é, ao problema “que sujeitos queremos formar?”

Tal definição requer a superação de certas noções capciosas presentes no dia-a-dia dos educadores. Uma delas consiste na crença que restringe o ensino das pessoas com necessidades especiais às habilidades sumárias – hábitos de higiene e alimentação, regras morais e de conduta etc. – necessárias a uma certa autonomia funcional nos ambientes por elas frequentados.

Outra noção, menos tacanha, mas também obtusa, propõe transmitir alguns poucos conhecimentos para que os indivíduos arranjem um emprego precário e se tornem “mão-de-obra barata” na sociedade. Tudo isso demonstra a pobreza dos presumidos “fins” a serem atingidos por essa prática educativa. 

Discutir o objetivo da educação especial exige superar tais preconceitos, sobretudo o maior deles, o de que educar uma pessoa com necessidades especiais é difícil e que, por isso, elas conseguiriam atingir apenas um nível primário do conhecimento.

Essa premissa, como se sabe, é falsa. As notícias, cada vez mais comuns, de estudantes com necessidades especiais aprendendo e se destacando em ramos variados de atividade – às vezes, entrando na universidade e obtendo diploma de curso superior -, revelam o oposto do que crê o senso comum: esses sujeitos podem desenvolver suas capacidades ao ponto de apreenderem o mundo circundante e participarem, de modo fértil e profícuo, da vida da coletividade.

Deve-se, então, assumir uma premissa mais generosa e consequente: a característica fundamental do ser humano é a superação dos seus próprios limites, a partir de seus esforços, projetos e atos realizados coletivamente. O homem é um ser histórico: portanto, que se revoluciona permanentemente. Ninguém pode preestabelecer uma barreira ao seu devir. Ensinar esses princípios e desenvolvê-los constitui a tarefa da educação especial, e da educação como um todo.

É preciso afirmar, enfim, a concepção de que todos são inteligentes e estabelecer uma meta elevada: todos podem galgar os altos cimos do saber. Os métodos de ensino e as caracterizações científicas – ditas “clínicas” – sobre a psique humana necessitam estar de acordo com essa perspectiva.

(*) Demetrio Cherobini, professor da rede municipal de Santa Maria, é licenciado em Educação Especial e bacharel e Ciências Sociais pela UFSM, mestre e doutor em Educação pela UFSM e pós-doutor em Sociologia pela Unicamp.

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2 Comentários

  1. Pessoas com necessidades especiais podem tudo, óbvio, inclusive pilotar aviões, fazer cirurgia cerebral, cardíaca de peito aberto, etc. Só os preconceituosos não veem isto.

    1. Sem educação, as pessoas não podem fazer absolutamente nada, nem as com necessidades especiais, nem as ditas “normais”. Com educação permanente e de qualidade, feita desde a mais tenra idade, as possibilidades se abrem muitíssimo e ninguém pode determinar até onde pode ir ou não um ser humano.

      Acontece que, na sociedade capitalista, os recursos não são voltados para a educação e o desenvolvimento humano, mas para a produção de mercadorias e o lucro, para que o trabalhador assalariado reproduza meramente a sua vida como trabalhador assalariado e o capitalista permaneça capitalista. A formação educativa e as “oportunidades” dentro do sistema educacional são adequadas a essa estrutura, portanto muito restritas para as massas. As profissões técnicas prestigiadas pelo capitalismo são preenchidas por quem melhor compete dentro dessa selva que é o sistema educacional formal. Não raro, pelos que vêm da burguesia e da pequena burguesia.

      Mas um dia isso vai mudar, toda essa estrutura ruirá e dará lugar a uma outra, quiçá mais evoluída, voltada para o amplo desenvolvimento das potencialidades humanas, e não para a mediocridade da massa e para o lucro individual de poucos, como esta em que vivemos. Fique bem tranquilo e tenha a convicção de que a sociedade capitalista chegará ao fim.

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