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O mal e o homem comum – por Leonardo da Rocha Botega

O que ensina o julgamento (e a condenação) de um grande assassino nazista

Aquele 11 de maio de 1960, seria mais um dia qualquer para Ricardo Klement, um imigrante alemão que havia se estabelecido na Argentina em 1950. Como de costume, ao final da tarde retornava para a sua casa na rua Garibaldi em San Fernando, uma cidade industrial situada 20 km ao norte de Buenos Aires, quando foi abordado por um desconhecido que, em um espanhol carregado de sotaque estrangeiro, chamou sua atenção.

Hesitou um pouco e segundos depois foi jogado ao chão e imobilizado por esse estranho e por mais dois homens. Foi colocado no banco de trás de uma limosine que partiu em disparada rumo a uma habitação secreta onde permaneceu escondido até sua identidade ser confirmada.

Señor Klement, então chefe de departamento em uma fábrica da Mercedes Benz, era na verdade Otto Adolf Eichmann, um dos criminosos nazistas mais procurados do mundo. Os homens desconhecidos eram agentes da Mossad, o serviço secreto israelita, que, desde 1957, investigava sua provável presença nos arredores da capital argentina. Nove dias depois, seria embarcado em um voo rumo à Israel, juntamente com a delegação composta por representantes daquele país que vieram para a celebração do 150º aniversário da Independência da Argentina.

Uma operação que, posteriormente, até mesmo o governo de Israel consideraria um ato de violação da soberania nacional argentina, afinal fora feita à revelia do próprio governo argentino. Onze meses depois, no dia 11 de abril de 1961, começaria o seu julgamento na Corte Distrital de Jerusalém.

Nos quatro meses seguintes, em um júri marcado pela forte presença de público, sobretudo, de jornalistas do mundo todo, o que se assistiu foi muito diferente do que era esperado. Ao invés de um homem brutalmente fanático, um antissemita convicto do ideário nazista, o réu era alguém que repetia o tempo todo que “apenas cumpria ordens”, uma figura que beirava a mediocridade e que, da mesma forma que colaborou com uma das piores máquinas de extermínio da História, também colaborou com a polícia e a justiça de Israel dando detalhes de seu trabalho na deportação de centenas de judeus para os campos de concentração.

Mesmo acusado de “crimes contra o povo judeu”, “crimes contra a humanidade” e “crimes de guerra”, Eichmann não demonstrava qualquer remorso. Chegou a afirmar que não teve nada a ver com o assassinato dos judeus, que nunca havia matado um judeu, que nunca havia matado um homem, que nunca sequer havia dado uma ordem para matar um homem.

Longe da imagem de um arquiteto de planos políticos, dotado de uma arrogante sede de poder, o que se via era um homem comum. Um medíocre burocrata preso a um esquema mental onde fazer o mal era parte de seu cotidiano corriqueiro. Um ex-aluno mediano que não conseguiu terminar o secundário e foi obrigado a trabalhar na empresa da família pelo pai. Um jovem de poucas capacidades intelectuais que encontrou no Partido Nazista e na SS, não uma razão ou uma causa a seguir, mas sim, um preenchimento para uma vida vazia a partir de uma moral disciplinadora. Uma moral que não o fazia questionar o caráter ético de suas ações.

Foi a partir do acompanhamento do julgamento de Adolf Eichmann, que essa semana completou 60 anos de seu início, que Hannah Arendt cunhou a ideia da banalidade do mal. Para a filósofa, o mal se torna banal quando uma pessoa o pratica sem uma reflexão que o insira dentro de uma iniciativa própria. Quando o indivíduo incorpora de tal forma os valores de uma organização ou grupo que acaba renegando os próprios valores éticos, fazendo com que uma ação violenta seja vista “apenas” como mais uma ação em nome de um dever ou um serviço de um trabalho qualquer. Uma operação rotineira que quando questionada é justificada na forma de clichês, chavões e frases prontas.

Adolf Eichmann se tornou a prova de que sociedades adoecidas, mergulhadas em cotidianos brutais, fazem pessoas comuns naturalizarem a barbárie e aceitarem como normais as piores ações de violência. Ações estas que muitas vezes são realizadas por estas mesmas pessoas. Homens comuns cujo o mal o gênio Charles Chaplin tentou alertar quando no discurso de O Grande Ditador escreveu: “Não sois máquina! Homens é o que sois!”. Eichmann foi condenado em 15 de dezembro de 1961 e enforcado nas primeiras horas do dia 1º de junho de 1962.     

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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Um Comentário

  1. Hannah Arendt cobriu o julgamento. Rendeu um pequeno livro ‘Eichmann em Jerusalem’, muito bom de ser livro (nota de rodapé: na minha opinião; não tem espaço para desenho). Não trata somente do assunto, contextualiza. Arrumou sarna para se coçar. Afirmou que o nazista era um burocrata. Alguém que tinha capacidade para raciocinar e simplesmente renunciou a ela, fez o ‘trabalho’ para subir na hierarquia carreiristicamente.
    Pena de morte tinha sido abolida em Israel.Exceção para crimes de guerra. Era tendência, muitas condenações anteriores tinham sido comutadas.
    John Demjanjuk, conhecido como Ivan, o terrível de Treblinka foi condenado também em Israel. Condenação foi anulada pela Suprema Corte daquele pais (ainda existem juízes em Berlin, mas em BSB poucos falam alemão tão bem como Gilmar Mendes). Acabou voltando para a Alemanha onde foi novamente julgado e cumpriu pena irrisória.

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