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Desdemocratização do mundo? – por Leonardo da Rocha Botega

E por cá? “Deixemos as vaidades para depois! O país não pode ser destruído!”

O historiador norte-americano Charles Tilly escreveu em 2007 um excelente livro intitulado “Democracy” (lançado no Brasil em 2013 pela Editora Vozes com o título Democracia). Partindo do método histórico-comparativo, o autor realizou um estudo de fôlego que analisava as condições da democracia em um universo significativo de países distribuídos em todo o globo.

Em meio as suas conclusões, chamou atenção para o fato de que a “democratização é um processo dinâmico que sempre permanece incompleto e que sempre corre o risco de ser revertido – de ser convertido em desdemocratização”.

Diferentemente do que afirmou Francis Fukuyama em 1989, num artigo intitulado “The End of History” (O fim da História), o que o Século XXI menos tem assistido é a estabilidade de uma ordem cujo ponto final é a democracia liberal. O mundo parece justamente estar caminhando na contracorrente da tese do filósofo e economista político nipo-americano e o ano de 2021 foi um forte indicativo disso.

O monitoramento da democracia feito pelos professores Jonathan Powell, da Universidade Central da Flórida, e Clayton Thyne, da Universidade de Kentucky, indicou que 2021 foi o ano que teve o maior número de Golpes de Estado nas últimas décadas.

Foram sete tentativas de golpes clássicos, ou seja, aqueles no qual as Forças Armadas tomam o poder e destituem o governo até então estabelecido. Cinco desses golpes se concretizaram (Mianmar, Chade, Mali, Guiné e Sudão), outros dois fracassaram (Níger e, novamente, Sudão).

Além disso, tivemos inúmeras tentativas de golpes no formato não clássico, ou seja, golpes onde o próprio governante utiliza de subterfúgios violentos (ou não) para reforçar o seu poder. Esse foi o caso da Tunísia, de Cabo Verde e da Colômbia.

Nesse último, o presidente Iván Duque ordenou a intervenção militar em oito Estados devido aos protestos contra suas reformas antipopulares. O saldo da repressão foi de 65 mortos, 47 vítimas de lesão ocular e 358 pessoas desaparecidas, segundo o Instituto de Desenvolvimento da Paz (Indepaz).

Um olhar mais apressado sobre os Golpes e as tentativas acima citados pode levar a conclusão de que os perigos da desdemocratização do mundo estão presentes apenas na periferia do capitalismo global. Ledo engano! Na Europa, temos assistido o reforço de alguns governos ultranacionalistas e protofascistas.

Na Hungria, o presidente Viktor Orbán tem reforçado seu poder e silenciado as oposições e as minorias. Na Polônia, o governo de Andrzej Duda aprovou uma lei que impõe um controle ideológico sobre o sistema educacional intitulada “escola sem ideologia” (qualquer semelhança com a proposta “Escola sem Partido” que tem sido discutida no Brasil nos últimos anos não é mera coincidência).

Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que o ano de 2021 foi “inaugurado” com a Invasão do Capitólio por uma horda de apoiadores do derrotado candidato à reeleição presidencial dos Estados Unidos, Donald Trump. Uma tentativa de golpe que vinha se desenhando nas constantes declarações do então presidente visando a desestabilização do sistema eleitoral estadunidense.

Recentemente, a Invasão do Capitólio foi minimizada por Elon Musk, bilionário que semana passada recebeu afagos do presidente brasileiro. O mesmo Elon Musk que após o golpe na Bolívia em 2020 afirmou: “vamos dar golpe em quem quisermos”.  

É nesse contexto que neste ano o Brasil irá realizar o seu processo eleitoral. No mundo, em meio a esses processos de desdemocratização, tivemos algumas experiências exitosas de reação contra as propostas autoritárias e os golpes não clássicos, como a vitória de Macron na França, onde os diferentes se uniram contra a anti-democracia, e a própria derrota do putch trumpista.

Por aqui, não há margem para o relaxamento. Desde o fajuto golpe de 2016, o Brasil também está inserido em um processo de desdemocratização e 2022 é o ano em que podemos interrompê-lo. Para isso, a unidade das diferentes correntes políticas democráticas é imprescindível. Deixemos as vaidades para depois! O país não pode ser destruído!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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2 Comentários

  1. Se um Vermelhinho chama alguém de ‘ultranacionalista’ ou ‘protofascista’ é bom verificar. Pode ser gente honesta,trabalhadora e com vergonha na cara. Invasão do Capitolio foi contaminada por narrativas. Que não colaram nem por lá. Alguma centenas de exaltados invadiram. Não seria isto que desestabilizaria o processo eleitoral, obvio. Elon Musk, mais um que se aliou ao combate à escumalha, falou em golpe em tom ironico. Algo sutil que escapa a capacidade cognitiva de alguns. Dilma, a humilde e capaz. caiu e não importa qual o nome que se queir dar. Foi muito bem feito, quebrou o pais e deixou, so como exemplo, um saldo de mais de 11 milhões de desempregados. Este papinho de ‘democracia é quando a esquerda está no poder’ não cola. E, antes que esqueça: proxima eleição tem mais que dois candidatos no primeiro turno.

  2. Balela. Teses academicas catadas como se grão de milho fossem. Problema é que ninguem vive numa tese academica. Poderia citar ‘Democray for realists’. subtitulo é ‘Porque eleições não produzem governos efetivos’. Autores basta procurar na rede. Dai o busilis, para alguns democracia se resume a eleiçoes. Fukuyama escreveu como resposta a Samuel Huntington. De lá para ca se retratou e escreveu outros livros. Logo utiliza-lo como argumento é no minimo desmerecer a inteligencia alheia. Golpes pelo mundo, como todos podem constatar, foram todos na periferia do palco principal do planeta. Simples assim. Escola sem ideologia e sem partido são boas medidas. Vermelhinhos infiltraram as escolas e tentam ‘formatar’ as crianças. Que, obviamente, não tem como se defender.

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