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Educação especial e superação do senso comum – Por Demetrio Cherobini

A importância de um texto (e do que dele advém) de Antonio Gramsci

Há um texto de Antonio Gramsci cuja importância para a educação especial ainda não foi devidamente avaliada: trata-se de Introdução ao estudo da filosofia (*). Nesse escrito, ao tematizar o desenvolvimento da consciência, o filósofo italiano estabelece uma tese fundamental: todos os homens são filósofos. O objetivo dessa afirmação é combater o preconceito de que somente certos grupos privilegiados estão aptos a realizar as atividades intelectuais próprias à filosofia.

Contra tal visão mistificadora, Gramsci afirma: todos podem formar uma concepção de mundo – contendo ideias sobre a beleza, a verdade, a virtude etc. – capaz de fornecer diretrizes para a orientação da vida prática. Trata-se, pois, de uma “filosofia espontânea”, fornecida ao indivíduo pelos grupos humanos nos quais ele se inseriu no decorrer da sua formação.

Essa “filosofia popular” caracteriza-se por ser “desagregada”, não conscientizada e mesmo eivada de contradições. Entretanto, é racional e se expressa nas manifestações mais elementares do intelecto: linguagem, conceitos, noções, relações sociais, religião, folclore. Por esse motivo, de fato, todos são filósofos. Isso inclui, evidentemente, as pessoas com necessidades especiais.

Esse “senso comum”, primariamente filosófico, precisa ser trabalhado a fim de que se eleve, fortaleça sua capacidade crítica e adquira coerência e unidade internas. Como fazê-lo? Gramsci o explica: “O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um ‘conhece-te a ti mesmo’ como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise”.

Cabe à educação, portanto, proporcionar esse conhece-te a ti mesmo que supera as contradições da filosofia espontânea do senso comum. Ela deve possibilitar aos sujeitos a tomada de consciência do próprio ser enquanto um ser histórico e inspirá-los a participarem da transformação positiva da sociedade – a construção daquilo que o filósofo chamou de “gênero humano mundialmente unificado”.

Gramsci, como se sabe, escreveu na prisão sob a censura do fascismo. Se estivesse livre, teria usado palavras mais claras para se referir à “consciência da historicidade” concebida por ele como a finalidade do trabalho educativo. Nós podemos usá-las agora: consciência de classe. Ensinar os conhecimentos necessários à formação dessa consciência é, em minha opinião, a tarefa precípua da educação especial.

(*) Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, vol. 1. Introdução ao estudo da filosofia; A filosofia de Benedeto Croce. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2013.

 (**) Demetrio Cherobini, professor da rede municipal de Santa Maria, é licenciado em Educação Especial e bacharel e Ciências Sociais pela UFSM, mestre e doutor em Educação pela UFSM e pós-doutor em Sociologia pela Unicamp.

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2 Comentários

  1. Qualquer coisa não se torna mais ou menos verdade porque Gramsci afirmou. Sem susto, Centro de Educação da UFSM é ponto de encontro de comunistas ultrapassados.
    Quanto ao objeto, se lembro bem, há uma discussão no livro ‘Roleta Chilena’ do finado Sirkis sobre o ‘intelectual organico’, apesar de ser assunto correlato é bem engraçado.
    Gramsci não terminou a faculdade, logo o ‘conceito’ é auto justificação. Uma completa asneira diga-se de passagem, se todos são filósofos ninguém é filosofo porque não existe uma distinção que justifique o termo, que caracterize a dedicação àquela atividade. É uma contradição, todos são iguais mas são diferentes, uma relativização do termo ‘filosofia’.
    ‘Conhece-te a ti mesmo’ é Sócrates. O resto é discussão estéril e debate semântico sem utilidade.
    ‘Todos são iguais’ leva a um debate do sistema de ensino superior soviético. O nível de exigência era altíssimo, os melhores alunos davam o ritmo, os outros que se esforçassem para acompanhar. A pressão não era pequena. Porém havia uma ‘pegadinha’, diversos níveis de escolas, umas para os mais destacados alunos, outras para os medianos e os demais viravam técnicos. Ou seja, discurso e prática não se coadunavam.

    1. Completamente errado. Primeiro: Ninguém disse que uma coisa é verdade porque Gramsci afirmou. Onde está escrito isso? Você tem problemas de interpretação de texto?

      Segundo: Gramsci FAZ a diferenciação entre a filosofia “popular” e a filosofia elaborada. Portanto, há diferenciação entre os tipos de intelectuais. Isso é BÁSICO na formulação de Gramsci. Você por acaso leu? Ou está apenas tentando dar uma tiradinha marota, como bom diletante, sobre um autor que desconhece? Ou, pior, com base no “finado Sarkis” (essa é a sua referência?). Se você tivesse lido o texto de Gramsci, saberia disso. Isto está CLARO, CLARÍSSIMO, no texto de Gramsci. E isso é diferente de dizer que “todos são iguais”. Onde está dito isso neste texto? E onde Gramsci escreveu isso? Nem Gramsci, nem Marx escreveram isso. Você tem problemas de interpretação de texto, rapaz.

      Terceiro: O que é que tem a ver o fato de Gramsci não ter terminado a faculdade? Ele deixa de ser inteligente por isso? A reflexão perde em qualidade? A elaboração argumentativa tem que ser avaliada pela sua coerência interna, não pela titulação de quem a formula. Ou será que eu vou avaliar a poesia de Fernando Pessoa pela sua titulação? (Ele também abandonou a faculdade…). Aliás, a propósito: que faculdade Heráclito e Parmênides fizeram? E Tales de Mileto? E Pitágoras? Ah, já sei… não fizeram faculdade de filosofia, então não são filósofos…

      Quarto: até a Mãe do Badanha, o Pai do Badanha e a Irmã do Badanha sabem que “Conhece-te a ti mesmo” é uma frase de Sócrates. Não venha ostentar um clichê bobinho desses, um penduricalho cultural trivial e de domínio público, com pose de sabichão. O que está em questão é outra coisa, o seguinte: Essa dúvida sobre a relação entre o ser e o conhecimento – expressa na frase “conhece-te a ti mesmo” – é retomada por muitos filósofos e cientistas ao longo da história. Cada um propõe uma reflexão de acordo com os seus pressupostos (e, pasme você, a questão permanece em aberto, ninguém esgotou o assunto, e Gramsci não pretendeu esgotar). Os pressupostos de Gramsci são diferentes dos de Sócrates. Ou você não sabe disso? O texto discute Gramsci, não Sócrates.

      Quinto: Não se trata de debate semântico, e sim de de debate conceitual. Ou você não sabe a diferença? Outra coisa: sem utilidade pra quem? E com base em que critérios?

      Sexto: Essa referência ao “sistema de ensino superior soviético” não faz o mínimo sentido e é despropositada para o que se está discutindo aqui. Educação soviética não tem NADA A VER com o texto. Agora, é evidente que há diferença entre melhores e piores alunos. E isso APARECE NA REFLEXÃO de Gramsci, como você pode constatar (se não tiver preguiça de ler, como parece ser o caso…). A questão é que essas diferenças de desenvolvimento não podem ser reduzidas ao organismo, como a visão de mundo positivista quer crer. A educação é que tem mais peso, e a forma de organização da sociedade tem mais peso ainda. Além disso, os critérios para “mais destacado” e “medianos” são escolhas sociais. Se o critério por “pintar um quadro”, um intelectual brilhante como Einstein se torna um medíocre, e um “doente mental” como Van Gogh é um gênio.

      Por fim, sétimo: O problema de dialogar com idiotas como você é que você é o tipo de sujeito que lê, não entende, e acha que entende. Faz inferências que não existem, tem um referencial cultural parco, raciocina sem coerência, usa de argumentos descontextualizados, sabe de algumas coisas “por ouvir falar” (ou por “orelhadas” de livros de autores secundários, o que é tão ruim quanto), e com base nisso chega à conclusões que só satisfazem ao seu próprio narcisismo tosco, depois faz generalizações que extrapolam o assunto em discussão e se satisfaz com o seu próprio conhecimento raso de temas e autores que ignora. Em resumo: o “conhece-te a ti mesmo” não penetrou na sua rica cabecinha.

      Minha sugestão: Estude mais, leia mais, aprenda mais com seus professores, aprenda com quem sabe mais do que você, seja humilde, pense antes de falar, não opine sobre o que você não conhece, aprimore a lógica e coerência da argumentação, enriqueça o seu arcabouço cultural, não se satisfaça com os conhecimentos obtidos, desconfie das conclusões a que você chegar, tenha mais respeito e empatia com o seu interlocutor e não se esqueça de que o conhecimento vem da dúvida, e não da presunção de saber.

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