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JC Empreendimentos – por Orlando Fonseca

Ficção, gente: ‘nada de rede de pesca, mas uma rede de captação de recursos’

O povo cristão, na atualidade, não observa em perspectiva histórica como a religião se tornou maioria – mas não hegemônica – no mundo. Especialmente no ocidente, há uma trajetória de luta – guerra mesmo, com armas – para que o cristianismo se firmasse. Flertou com o poder e o exerceu com mão de ferro ao longo de séculos na Idade Média, condenou, censurou e dividiu.

Por fim veio a cisão em, pelo menos, duas vertentes maiores após a virada humanista entre os séculos XIV e XV. Algum tempo antes, outra religião monoteísta começou a defender a sua narrativa teológica, o islamismo. Não apenas com retórica, senão com armas também. O que temos hoje no espectro religioso conhecido como cristianismo é uma profusão de correntes que constroem templos e formam rebanhos especialmente entre americanos, europeus e algumas regiões da África subsaariana.

Assim como o terreno mundano esteve dividido entre dois blocos hegemônicos até metade do século passado, entre socialistas e capitalistas (para reduzir o caráter de cada um), o cristianismo também tem feito suas opções, tentando aproximar a narrativa cristã ora de um, ora de outro polo.

Ao longo deste período, considerando a potência simbólica do Vaticano, tivemos diferentes visões da missão da igreja no mundo, ora fazendo opção pelos pobres, ora resgatando posturas conservadoras do tempo em que tinha ascensão sobre os senhores feudais.

A Teologia da Libertação teve o seu momento ao longo de algumas décadas do século XX, mas com a Queda do Muro de Berlin, em 1989, foi perdendo força para um discurso anticomunista que tomou conta do triunfalismo “fim de história”, no último período do século passado.

E veio o século XXI, a queda das Torres Gêmeas, com o retorno de uma guerra permanente entre uma corrente islâmica beligerante e a cristã conservadora (dita) defensora da democracia; o aumento das correntes neopentecostais e sua “teologia da prosperidade”.

A fragmentação do discurso cristão é tamanha que a sua importância foi colocada a serviço do poder, outra vez. Ao menos no Brasil e na América do Norte tem sido neste início de século e de milênio.

Fico pensando uma coisa aqui comigo, lembrando da narrativa do Evangelho: em que polo o Mestre, sim JC, o Messias fundador do cristianismo por assim dizer, estaria, entre os socialistas ou entre os capitalistas?

Como tenho uma opinião formada a respeito, vou fazer apenas um exercício ficcional, imaginando o que seria um Cristo empreendedor, signatário de uma teologia da prosperidade, que tivesse vindo à Terra não para fundar o seu Reino espiritual, mas para criar uma Fundação para ganhar dinheiro, muito dinheiro.

Bom, primeiro que ele não iria até a à praia para reunir os pescadores para serem seus apóstolos. Ele iria até os Bancos com sua legião de anjos caçadores de talentos e promoveria uma seleção dos melhores banqueiros – e aquele povo que estava ali se mostrou, com o tempo, expert no assunto.

Ele não expulsaria os vendilhões do Templo, mas faria uma reciclagem para que melhorassem suas posições no mercado. Nada de rede de pesca, mas uma rede de captação de recursos para fundar lojas – os maçônicos teriam um precedente – nas quais venderiam obras de autoajuda, com os discursos do Mestre.

Não haveria sermão da Montanha, mas sessões motivacionais, em que Jesus e seus coachs financeiros levariam adiante o poder da fé no capital, ensinariam os seguidores como potencializar os lucros. Seria lançado o maior plano de saúde que o mundo já conheceu, no qual os dons divinos milagrosos seriam comercializados, com descontos generosos para os menos aquinhoados.

Já imaginaram a maior empresa vinícola, em que não haveria necessidade de vinhedos, mas apenas água? Vinhos JC, produzidos por uma safra milagrosa. Realmente, esse Jesus, suas empresas, seus discípulos e seguidores teriam se dado bem, mas com certeza, o cristianismo não teria prosperado, o que seria uma pena.

E aqui coloco fim desta especulação, para não dizerem que estou caindo em heresia. Ele poderia ser um empreendedor cooperativista, mas aí teria de esperar a irmã Lourdes, que viria salvar a lavoura.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Observação do Editor: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da Internet.

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7 Comentários

  1. Finalizando, Igreja Universal tem ações e obras sociais também. É o principal alvo dos vermelhinhos, briga com antiga aliada. Obviamente existe o pessoal ‘pequenas igrejas, grandes negócios por ai’. Sei de caso onde o MP fechou fundação e o dono falava que iria abrir uma igreja e ‘queria ver o MP fechar’.
    Irmão Lourdes plantou lavoura? É mesmo? Colocou a mão na massa?

  2. J. Cristo expulsou os vendilhões do Templo porque tinham transformado uma casa de oração num mercado. Não proibiu de trabalharem. Havia sacrifícios de animais e o local estava cheio de ovelhas e gado, além dos cambistas.
    Lojas dos irmãozinhos do avental são mais independentes financeiramente do que muitos imaginam. Não, não sou. Grosso da grana vai para ações sociais. Mantém hospitais, etc. mas tudo muito discreto. Pessoal do Rotary que o diga. Há igrejas por aí em que a missa é lotada de excomungados (vide o Código de Direito Canônico, que aliás, é leitura bastante interessante).
    Resto do exercício ficcional parece não ter pé nem cabeça. E a vinícola parece deboche. Alás, vermelhinhos tem o habito de fazer provocações e, obtendo o resultado desejado, rir como criança pega fazendo arte.

  3. Teologia da prosperidade não é algo que pareça interessante. Primeiro porque é muito recente. Segundo porque parece ter uma forte pitada de autoajuda com a vantagem de não ter de pagar impostos. Terceiro porque aparentemente existem pastores com quotas a serem preenchidas, como vendedor de loja. Causa estranheza.
    J. Cristo não era capitalista ou socialista, óbvio. Como ficariam os meios de produção? Defendia a existência de outro mundo, ‘Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus.’ Marx dizia que o socialismo era uma etapa para atingir-se o comunismo, além disto era materialista, logo ‘outro mundo’ seria para ele coisa da Globo.

  4. Fim da história, Hegel e Marx, compunha o titulo de um artigo na Foreign Affairs e livro subsequente. Queimou os vermelhinhos porque afirmou que as democracias liberais (atualmente em crise porque não dão solução para os problemas) tinham vencido a Guerra Fria. Resposta a outro artigo publicado na mesma revista (e livro subsequente) assinado por Samuel Huntington. Este defendia que após o fim da Guerra Fria os conflitos seriam por motivos culturais e econômicos. Acerta e erra em muita coisa, mas o saldo é bastante positivo.

  5. Teologia da Libertação era uma infiltração marxista. Comunidades Eclesiais de Base eram uma espécie de soviet. Características eram evidentes, retira-se a filosofia e insere-se as ciências sociais. ‘Opção social pelos pobres e liberação politica dos povos oprimidos’.
    Queda do Muro de Berlim aconteceu 30 anos após a subida de Fidel ao poder. Não era nascido na época do golpe em Cuba, para mim era historia antiga. Muro caiu há mais de 30 anos, deve ser historia antiga para muita gente. Talvez explique algo do que estamos passando atualmente no pais.

  6. Cristianismo é mais do que isto. Igreja Ortodoxa é muito forte na Ásia, praticamente a religião oficial da Rússia. China tem a Igreja Católica Patriótica Chinesa e a Igreja Patriótica Missionária (protestante). Alás, corrente do cristianismo que prevaleceu foi a que a mãe de Constantino tinha aderido tempos antes. Não era a única.
    Na narrativa atual a divisão poderia ser entre capitalistas e socialistas. Não, obvio, na realidade. Comunismo chinês e russo nunca se alinharam bem. Chineses, como os russos, apoiavam os vietnamitas na Segunda Guerra da Indochina (a que chamam por aqui de Vietnã). Em 1972 Nixon visitou o Grande Pais Asiático (hipocrisia é o KY Gel das relações sociais). Social democracia já estava instalada na Europa (capitalismo até a pagina 2).

  7. Perspectiva histórica criada por marxistas, maioria entre os historiadores.
    Na Roma Antiga o cursus honorum envolvia cargos religiosos. Julio Cesar era o Pontifex Maximus, como o Papa hoje em dia é chamado de Sumo Pontifice (os cismas na cristandade vieram depois). O titulo fundiu-se com o de imperador na época de Augusto. Constantino tornou o cristianismo a religião oficial. Paulo, não J. Cristo, foi o principal artífice da Igreja. Tinha inclusive ‘dupla cidadania’. Separação entre Estado e religião oscilou pelos tempos. Finanças? Alguns dizem que a Ordem dos Templários (contexto Cruzadas) foi o primeiro banco. Alguns discordam, teria sido a primeira empresa prestadora de serviços financeiros.

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