Uma evolução histórica do movimento feminista – por Elen Biguelini
O crescimento do feminismo e seus vários momentos junto com a sociedade
O movimento feminista começou no século XIX com as mulheres que desejavam o voto. Em vários locais do mundo as sufragistas se uniram atrás de um único objetivo: ter a voz no seu governo. Mulheres em sua maioria das elites econômicas e intelectuais juntaram-se com este propósito; criaram passeatas e greves de fome. Algumas conseguiram seu objetivo ainda no século XIX, mas a grande maioria apenas no século XX.
Mas os pensamentos que levaram ao surgimento do movimento oitocentista tinham bases anteriores. Mulheres como Mary Wollstonecraft (1759-1797), da Inglaterra; e Olympe de Gouges (1748-1793), da França, são precursoras do feminismo devido a suas opiniões e textos referentes aos direitos femininos.
Ainda antes delas, François Poullain de La Barre (1647-1723) utilizava o termo ‘feminista’, enquanto Christine de Pizan (c.1364-1430) escrevia ‘Cidade das Damas’ e todo um grupo de mulheres e homens escreviam na ‘querelle de femme’ (ou a ‘questão das mulheres’, um debate aberto entre filósofos sobre a situação da mulher) ou nas chamadas malícias das mulheres (textos que maldiziam as mulheres e suas respostas por vezes de autoria feminina).
Após o direito ao voto ser alcançado, o movimento feminista mudou de foco. As teóricas feministas voltaram-se para questões relacionadas a ser mulher na sociedade. A segunda onda do feminismo (ondas são as formas como são definidas as mudanças no pensamento feminista) focava-se na libertação do corpo feminino.
É este o feminismo mais conhecido, por ser aquele que foi distribuído pelo mundo durante a década de 60, do amor livre, dos supostos sutiãs queimados (o que na verdade foi feito apenas por um pequeno número de mulheres). As feministas discutiam sobre a sexualidade e a liberdade de escolha do parceiro.
É também o momento do surgimento da pílula, que representa assim a libertação do corpo da mulher. É também quando surge o lema feminista “O pessoal é político”, referente justamente ao fato de que o corpo feminino, ainda que algo pessoal e privado, era um tema político ao ser proibido pela sociedade.
As discussões acerca do movimento feminista e da feminilidade continuaram durante o século XX, e já na década de 70 e também 80 surgiu uma terceira vaga, que discutia a igualdade entre homens e mulheres.
É o momento em que teóricas feministas francesas e americanas passam a diferir quanto à questão: de um lado aquelas que viam a necessidade de direitos iguais apesar de os sexos serem diferentes; enquanto o outro lado via a igualdade como essencial em si, o chamado feminismo liberal.
Os debates de segunda e terceira vaga eram concomitantes, e já na década de 90 um grande grupo de mulheres conseguira adentrar em locais essencialmente masculinos. Surge então um movimento conhecido como pós-feminismo. Representado pela personagem de Bridget Jones, as mulheres que se identificavam com este pensamento achavam que o “teto de vidro” que se punha entre as mulheres e os altos empregos tinha sido quebrado. Ignoravam que havia sido quebrado por um pequeno número de mulheres, na maioria jornalistas, e sempre brancas de países ricos.
Assim, ainda que existe um momento chamado pós feminismo, o movimento feminista não acabou. Pelo contrário, tornou-se ainda mais relevante quando foi percebido que este “teto de vidro” não fora quebrado, mas sim que uma ou outra mulher tinha conseguido olhar por ele, apenas.
Nota-se que até aqui foi falado apenas de um movimento branco. Isto porque o movimento feminista durante muitos anos foi essencialmente branco e excludente de diversidade.
A poetisa afrodescendente americana bell hooks (em minúsculo, como a mesma opta por assinar), foi a primeira a bater nas portas do movimento feminista e perguntar. “E eu?”. Haviam existido até então outras feministas de origem negra; mas elas tinham sua voz abafada quando o assunto raça era levado a tona.
Bell hooks, depois de não ter sido aceita no movimento feminista, iniciou o womanism, ou mulherismo, movimento feminista negro, que passou a perceber que a situação da mulher negra é diferente daquela da mulher branca, ou da latina, ou da asiática.
Também na década de noventa outras formas de movimento feminista começaram a surgir. O Ecofeminismo, que relaciona a natureza a feminilidade, o Ciberfeminismo, o movimento extremista feminino (que exclui mulheres trans), o Femen, etc.
Com estas diversas falas, não se podia mais falar em feminismo, falando-se então de feminismos – no plural. Assim como são muitas as mulheres, são muitas as formas e expressões pelas quais estas defendem seus direitos.
Surge também um movimento mais inclusivo, que passa a aceitar estas vozes destoantes e diferentes, o feminismo interseccional.
Deste surge uma quarta vaga, que acompanha também o surgimento das mídias sociais. Através de plataformas online, as mulheres passaram a exigir seus direitos de forma mais direta. Além de movimentos como a “Marcha das vadias”, as marchas do 8 de maio, o movimento “Mulheres contra o Bolsonaro”, o #MeToo, etc, surgem online e atraem mulheres que por vezes não se identificam como feministas, mas que percebem a necessidade de debater as questões relacionadas a elas e sua liberdade, à luta contra o estupro; o debate sobre o aborto e sobre as identidades de gênero, em defesa de mulheres em situação de violência doméstica, etc.
O movimento feminista evoluiu junto com a sociedade, assim, as questões pelas quais tem lutado, tem sido representativas do momento em que as próprias mulheres que fazem parte dele se encontram.
(*) Elen Biguelini é Doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreverá semanalmente aos domingos, no site.
Depois reclamam que faltam recursos para a ‘ciência’ no Brasil. Pelo visto está sOBrando.