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O fim adiado do vestibular da UFSM – por João Marcos Adede y Castro

Uma decisão polêmica da instituição e como a história acaba, sete anos depois

O ano era 2014.

A UFSM já havia definido, ainda que provisoriamente, as datas para realização do vestibular (dezembro/2014), discutia com a comunidade a manutenção ou alteração das datas em audiências públicas convocadas pela própria instituição, havia alterado as regras da prova de Redação, com a modificação das modalidades de textos a serem produzidos pelos alunos, havia promovido visitas técnicas em escolas do Município, com orientações acerca das alterações das regras da prova de Redação e sobre as leituras obrigatórias para a prova de Literatura.

Os cursinhos pré-vestibular preparavam seus alunos para as provas. O comércio, o setor hoteleiro e de alimentação organizavam a estrutura para receber os vestibulandos e seus familiares, afinal o vestibular sempre foi uma lufada para a economia local, afora o inegável clima de celebração que ganhavam as ruas com os jovens estudantes.

E, de repente, a UFSM decide que os processos de ingresso à instituição – vestibular e o Processo Seletivo Seriado, o antigo PEIES – seriam extintos, substituídos, de imediato, pelo Exame Nacional de Ensino Médio – ENEM e o Sistema de Seleção Unificada – SISU.

Fomos procurados por representantes de entidades locais. Inicialmente, aparentemente tudo regular, afinal as Universidades têm autonomia para este tipo de decisão.

Confesso que, mesmo entre os integrantes do escritório, não havia certeza se a decisão poderia ser juridicamente questionada. Porém, após estudo à legislação e doutrina, chegamos à conclusão que a decisão, em si, não era ilegal, mas inadequada a sua FORMA, por conta do MOMENTO em que foi tomada, no final de maio, em meio ao ano letivo, quando o vestibular estava previsto para o final do ano, e pouco mais de 24 horas antes do final do prazo de inscrição ao ENEM.

Ficou evidente a violação ao princípio da segurança jurídica, em razão da mudança das regras do jogo em meio ao jogo e, por consequência, a decisão gerou um clima de desconfiança geral, afetando a necessária estabilidade social e previsibilidade das ações estatais, que visam evitar sobressaltos e surpresas nas condutas dos entes públicos.

Com base nesses argumentos, em 05/06/2014, a União Santamariense dos Estudantes – USE, a Câmara de Comércio, Indústria e Serviços de Santa Maria – CACISM, o Sindicato dos Lojistas do Comércio de Santa Maria – SINDILOJAS e a Câmara de Dirigentes Lojistas de Santa Maria – CDL (que tinha entre seus associados escolas privadas do Município), ajuizaram Ação visando a declaração de nulidade da decisão, repita-se, não porque a UFSM não tivesse legitimidade para tomá-la, mas pelo MOMENTO em que foi tomada.

A Justiça Federal de Santa Maria, provocada, concedeu Liminar suspendendo a decisão da UFSM (liminar posteriormente confirmada pelos Tribunais), entendendo, sinteticamente, que o momento em que foi tomada a decisão, com pressa, atropelo, frustrou as legítimas expectativas da comunidade estudantil, que contava e se preparava para o vestibular naquele ano, violando o respeito aos princípios da segurança jurídica e da lealdade.

O vestibular ocorreu em 2014. Por força das decisões judiciais, o Programa Seletivo Seriado teve de ser mantido até 2016, garantindo que aqueles alunos já inscritos tivessem o direito de concluir o programa.

Somente em 05/06/2021, exatamente 7 anos depois do ajuizamento da ação, a sentença que confirmou a Liminar transitou em julgado, ou seja, tornou-se definitiva, após inúmeros recursos da UFSM, todos afastados pelo Poder Judiciário (TRF da 4ª Região, STJ e STF).

O episódio não é somente histórico para a sociedade de advogados, mas principalmente para a Comunidade, pois mostrou a força que a coletividade unida tem para mudar realidades, além de  passar importante recado ao Poder Público como um todo, de que os entes e seus agentes podem muito, mas não podem tudo. O Poder Judiciário, sempre que provocado, estará pronto para assegurar os direitos individuais e sociais, afastando eventuais excessos.

(*) João Marcos Adede y Castro é advogado, Promotor de Justiça aposentado, escritor e professor, além de ser, com seus companheiros de escritório, advogado que assinou a ação patrocinada pelas entidades citadas no artigo acima.

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2 Comentários

  1. Alteração foi ideológica. Governo federal estava nas mãos petistas. Entre um envio de dinheiro para Venezuela e outro para Cuba resolveram centralizar sovieticamente o vestibular em BSB. O coelho saiu da cartola (parece que nem estava na pauta) numa reunião de um conselho qualquer. Acham que podem tudo.
    Reação do empresariado local foi um ‘plus a mais’, para eles tudo é Estado (onde tudo é bom e perfeito) versus Mercado (onde tudo é ‘bobo’ e ‘feio’). Logo a oposição é ‘ganancia’ e outros desqualificadores comuns em patios de recreio do ensino primário.
    ENEM é, grosso modo, uma copia do SAT americano. Que deixou de ser utilizado no melhor sistema publico de ensino superior americano, a Universidade da Califórnia. Resultado do SISU na UFSM é discutivel. Muitos recursos alocados para resultados não significantes. Algum imbecil (ou alguma) afirmará que não se pode ‘reduzir tudo a valores monetários’. Idiotas não conseguem perceber a dimensão ‘alocação de recursos’ da moeda.
    Resumo da ópera é que em algum lugar do Universo o finado Almiro do Couto e Silva ri. Ri muito.

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