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O palco, a tela e a palavra – por Bianca Zasso

Pessoas que gostam de falar costumam ser tachadas de comunicativas. Mas será que todo verborrágico consegue, de fato, enviar mensagens? O dramaturgo e cineasta americano David Mamet é um apaixonado por palavras e seus personagens não poupam diálogos, exigindo dos atores que os interpretam fôlego e memória. Porém, ao contrário de alguns faladores, em Mamet nenhuma sílaba é desperdiçada. No último final de semana, nossa terrinha recebeu uma montagem de Oleanna, uma das peças mais famosas do autor, no palco do nosso querido Theatro Treze de Maio. Marcos Breda e Luciana Fávero interpretaram, sob a direção de Gustavo Paso, um professor universitário em vias de ser promovido e uma aluna que o acusa de assédio. Entre eles, uma mesa. Nada mais. E o resultado é ao mesmo tempo um deslumbre e um soco. O coração da plateia, pelo menos da atenta, dispara por não saber para quem torcer, em quem acreditar, quais segredos não são revelados. Um espetáculo fiel ao texto de Mamet, mas que poderia se passar em qualquer instituição de ensino brasileira. Digo mais, em qualquer casa, em qualquer escritório, em qualquer esquina.

A empolgação causada pela peça nesta que vos escreve alimentou a ideia de indicar nesta coluna a versão cinematográfica de Oleanna, lançada em 1994 e com direção e roteiro do próprio Mamet, que consegue o feito de engrandecer na tela uma história que já era impecável no palco. Aos que querem uma sinopse, lá vai: Carol, a aluna, no filme interpretada por Debra Eisenstadt vai reclamar uma nota baixa com seu professor, vivido pelo sempre ótimo William H. Macy, que está com a cabeça em outro lugar, mais precisamente na compra de sua nova casa. A conversa entre os dois é permeada por confissões, perguntas aparentemente inocentes e respostas que permitem múltiplos significados. Uma hora e meia de muitas frases e pouco entendimento.

A incomunicabilidade, tema tão caro ao mestre Michelangelo Antonioni, ganha uma nova perspectiva em David Mamet. Os incompreendidos do italiano sofriam em silêncio, os do americano usam palavras como armas. Há uma violência em Oleanna que o espectador que só se satisfaz com tiros e sangue talvez não compreenda, mas que é tão forte quanto uma explosão. Muito da tensão criada no filme vem do cenário, onde a sala do professor, apesar de ampla, tem ares de jaula, onde ele e sua aluna de múltiplas faces se digladiam por meio do verbo. Mesmo juntos e de ouvidos atentos, não é uma conversa que acontece na primeira parte de Oleanna, mas um encontro de monólogos, que quando começam a se cruzar, despertam sensações diferentes em que assiste.

Sempre preciso na marcação dos atores, mas nunca apegado ao gesto vasto típico do teatro em seus filmes, Mamet evoca, com sutileza, o cinema de outro diretor que ia dos palcos para as telas com maestria: John Cassavetes. Ambos captam o momento em que a vida se transforma em teatro. Carol, em especial, escuta conversas, anota coisas e mexe nos livros de seu professor quase como uma ladra, cuidando cada passo e tentando não transparecer por completo suas reais intenções. Quando seu ar de inocência é rompido, e isso se dá não apenas em seu rosto e em sua voz, mas em seu figurino também, a plateia fica de queixo caído e se vê novamente em um labirinto. Mamet gosta de nos enganar.

Uma surpresa pode ser uma agressão. Esta informação está lá, no texto de Mamet. Mas também pode ser descoberto em nossas vidas recheadas de conversas solitárias e falsas seguranças. As palavras têm poder. E pontas afiadas.

Oleanna
Ano: 1994
Direção: David Mamet
Disponível em DVD (Importado)

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