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Às ruas! É pela vida! É pela democracia! – por Leonardo da Rocha Botega

O articulista e as razões para ir às recentes manifestações de rua no Brasil

Em 2007, o professor de Ciências Sociais da Columbia University e grande comparativista histórico, Charles Tilly, escreveu em seu livro “Democracy” (lançado no Brasil em 2013) que a “democratização é um processo dinâmico que sempre permanece incompleto e que sempre corre o risco de ser revertido – de ser convertido em desdemocratização”.

Partindo deste mesmo pressuposto, analisando o processo de enfraquecimento da democracia em um conjunto de países, sobretudo nos Estados Unidos do governo Trump, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores do best seller “Como as democracias morrem”, afirmam a existência de uma via eleitoral para o autoritarismo, que, uma vez concretizada, produz um “paradoxo trágico”: o fato de que “os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia – gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la”.

Para os professores de Ciência Política da Universidade de Harvard, alguns sinais desse processo se evidenciam quando ocorrem: a rejeição das regras democráticas do jogo (ou compromisso débil com elas); a negação da legitimidade dos oponentes políticos; a tolerância ou o encorajamento à violência; e a propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia.

Tomando por base esse check list é inegável que o Brasil hoje vive um processo de desdemocratização. O presidente a todo momento demonstra ter pouco apreço às regras democráticas que dão corpo ao nosso processo eleitoral, mesmo tendo uma longa carreira de eleições vitoriosas com essas mesmas regras. Ao mesmo tempo, desde sua posse procura deslegitimar qualquer figura divergente, alçando até mesmo antigos aliados à condição de “inimigos nacionais” (como se a Nação fosse apenas sua).

Já o encorajamento à violência, bem, essa foi a principal marca de sua trajetória, tanto de militar expulso das Forças Armadas, como de político tratado, erroneamente, como uma aberração. Por fim, uma parte significativa dos jornalistas (inclusive dos órgãos de imprensa que apoiaram direta ou discretamente a sua eleição) tem sentido cotidianamente o peso que o último sinal tem nas palavras e nas ações presidenciais.

Infelizmente, nem todos aqueles que diziam aceitar as regras do jogo democrático (e que inclusive havia chegado ao governo graças a essas regras) seguiram as palavras de Levitsky e Ziblatt, para quem a tarefa fundamental de todos os democratas diante do perigo iminente da ascensão ao governo de um autoritário é unir forças para que isso não aconteça.

Forçaram o país a um desnecessário “terceiro turno” após as eleições de 2014, obstruíram o enfrentamento da crise econômica em 2015, deixando o país sem orçamento até quase a metade do ano, abriram os porões e os esgotos do submundo, trazendo à tona os “bichos escrotos” do fascismo. Aparelharam a instituição de deveria ser justa e golpearam uma presidenta atribuindo-lhe um crime inexistente, como afirmou tardia e comodamente o ministro do STF, Luís Roberto Barroso.

O Brasil hoje tornou-se um arremedo do que fora nas últimas décadas. De país respeitado internacionalmente virou um pária internacional. De liderança regional virou o país de um governo em que todos os outros governos da região, inclusive aqueles que tidos como “aliados”, querem distância. Em meio à pior pandemia mundial desde 1918, de cada sete óbitos, um é de cidadão brasileiro ou cidadã brasileira. Ou seja, temos 2,7% da população mundial e somos 14,3% das mortes por Covid-19 em todo o mundo.

Enquanto isso, ficamos sabendo que as vidas de quase 530 mil pessoas valem menos que um dólar no mercado da necropolítica dos falsos patriotas. É por essas vidas perdidas, é pela democracia, é pelo desejo de poder olhar para os símbolos nacionais de cabeça erguida, que milhares de pessoas (de diferentes cores, de diferentes gêneros, de diferentes visões de mundo, mas que se unem quando veem as suas existências ameaças) têm colocado suas máscaras e saído às ruas para dizer: Basta! Hoje o presidente é pior que o vírus!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Observação do Editor: A imagem que ilustra este artigo, do articulista na manifestação do #3J, é de Bruno Silva/Divulgação/Sedufsm)

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