O efeito da vacina – por Marta Tocchetto
A articulista, os eventos vacinais e a motociata presidencial: uma reflexão
A vacina no meu braço é mais do que imunização ao vírus, é antídoto à tentativa de afronta à democracia
A chegada da segunda dose foi acompanhada pela não menos aguardada vacinação dos filhos. A tela do computador tem sido nosso ponto de encontro e nosso local de trocas. Há um ano e meio tem sido assim. Sofrido, mas necessário. A vida é nosso bem maior, portanto preservá-la é assegurar a riqueza que realmente tem valor.
A afirmação que, para muitos, nem sempre coincide com a prática. Nas questões ambientais não é diferente. Todos, arrisco afirmar a totalidade, dizem e concordam que meio ambiente é importante, essencial. No entanto, quando o interesse é individual e o imediatismo impera, descumprir regras e leis é válido.
Regra boa é a que não atrapalha a minha vida. Lógica que confronta com a vida em sociedade. Direitos e deveres são para todos. A semana recheada de eventos vacinais e encerrada pela motociata do presidente me levaram a mais algumas reflexões.
A ciência e os cientistas tão atacados são os que estão devolvendo esperança à vida e à economia, mesmo aos negacionistas que afirmaram e, inacreditavelmente, continuam afirmando, sob efeito de uma cegueira bestial – a economia não pode parar e o distanciamento social leva à morte tanto quanto o vírus.
Esta lógica mortífera somada à demora proposital na aquisição das vacinas deixou um saldo de mais de quinhentos mil mortos. A morte não vem a cavalo, como em alguns contos. No Brasil, a morte vem de motocicleta e acompanhada de verdugos com igual sede de sofrimento e dor.
Perplexa ante a divulgação dada pelo maior grupo de comunicação do estado do RS, que ignorou a afronta à saúde pública. Deu ares de importância e de ato oficial à selvageria.
A acolhida também ocorreu pela entidade que representa o setor industrial gaúcho. A mesma que não discutiu a extinção da Fundação Zoobotânica, o novo código ambiental e o projeto carbonífero da mina Guaíba. Anfitriões que ignoraram as vítimas das políticas negacionistas e mortais deste governo.
Ignoraram também a gravidade das mudanças climáticas que ameaçam a provisão de água para as próprias atividades que desenvolvem, além do abastecimento para as populações. O uso de petróleo se constitui na principal fonte geradora de gases de efeito estufa.
Os que roncam os motores despejando toneladas de gases na atmosfera são os mesmos que alteram a bandeira para aumentar o patamar de cobrança e se queixam de prejuízos econômicos pela falta de água.
O ronco dos motores, a ausência de máscaras, a vociferação do ódio proferida pelos participantes, em sua maioria homens, não ofenderam tanto quanto o bater de panelas e os xingamentos de uma mulher.
Autoridades locais, prefeito e governador, deram proteção com recursos públicos e fizeram vistas grossas ao descumprimento das leis que estabeleceram, enquanto enquadraram de forma exemplar, a “baderneira”.
A vacina no meu braço é mais do que imunização ao vírus, é antídoto à tentativa de afronta à democracia. Lembrei de Vida Líquida de Zygmunt Bauman, no qual me socorro para entender o que acontece no país.
– “A ignorância política tem capacidade de se autoperpetuar, e uma corda feita de ignorância e inação vem a calhar quando a voz da democracia corre perigo de ser sufocada ou ter suas mãos atadas. Precisamos da educação ao longo da vida para termos escolhas. Mas precisamos dela ainda mais para preservar as condições que tornam essa escolha possível e a colocam ao nosso alcance”.
(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.
Nota do Editor: a foto que ilustra este artigo é uma reprodução da internet.
Esperança, vida e um livro da Pollyanna. Negacionismo, bestialidade, ódio! Fiquei abalado! Alguem traga os meus sais! Kuakuakuakuakua!