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Poesias

O último Húngaro – por Odemir Tex Jr

“Neste final de semana serão feitas as últimas viagens de trem de passageiros saindo de Santa Maria. (…)”
 – Jornal A Razão, 4 e 5 de fevereiro de 2006 – sab.-dom.

1.  O azul contra o azul corta                       um peixe na pampa
a carne verde da pampa.
Um cardume de aço avança
fisgado na linha do horizonte,
onde se retorce o arrebol – 
lume da noite que encandeia:

núcleo  de  convergência

2. Meu pai embarca seu sono                                 o pai
de 2ª classe na madeira doída
dos bancos. A mãe lhe alcança
algum alimento entre as mãos
e a tristeza de um último beijo.
(ninguém lê o porvir no silêncio dos lábios.
Coração é lugar de morada,
nunca abandona o sabor da cozinha).

3. O pampa – sentimento de poço              os ossos do pampa
entre o nadir e o zênite do corpo –
tem de suas verdades, afora
o zimbro sobre os espinilhos,
e a forja do tempo que moldou
os ossos do corpo nos andarilhos.
No pampa, estamos sempre
descalços entre sonhos e rosetas.

4.  Eu nunca soube consolar                        a mãe
a tristeza de minha mãe.
(a vida é profecia que não
adivinha a hora da partida;
e o presente, corroído pela espera,
deixa escassos os braços
onde o abandono possa chorar)
Endureci os olhos
no sal represado das lágrimas.

5. Longitudinal, centrífugo                          o último húngaro
o Ganz-Mavag trespassa
a espessura do tempo.
E já não é mais a cor sépia
da arquitetura de Budapeste.
De leste a oeste, racha os campos
entre o Minuano e as almas
que aguardam o próximo embarque.
O trem, com sua lâmina de luz,
abre o mar negro da noite, feito milagre.
Desenfreado, cavouca o escuro
na precisão dos trilhos. Tossindo diesel,
respira o frio do inverno,
e no seu rugir ferruginoso
cospe estrelas inúteis à propulsão.
(a vida rasga o mero existir.
Meu pai adormece, e penso
que o último sono é sempre
aquele que mais dói no peito)
O sol será sempre uma estrela.

6. Sobre a frieza táctil dos trilhos,              um peixe azul na paisagem
roda a mascar limalhas e calhaus
esfarelados entre dormentes
e pregos cravos no solo dos idos,
o trem
Na paisagem,
os postes se prostram solenes
frente ao balanço da terra
adormecida sob seus pés.
(um telégrafo sobrevoa as linhas
para a urgência dos ditos)

7.  A morte sempre pesa mais                                 o pai e a mãe
na balança daqueles que amam.
Eu sinto saudades de casa                          
a cada vez que engulo
um alimento marinado no silêncio,
como se o mar e o pampa
fossem um único universo
cravado em meus dentes.
Meu pai se foi para sempre; minha mãe se foi para sempre.
Agora, um cardume de aço à deriva na pampa de nós.
Há uma gare em pedaços a lembrar o derroer dos meus.
Conquanto, permaneço enquanto o ar de minha vida permitir,
porque a mim foi dada a escritura de nossa genealogia.

8. A saudade é um trem que                                    encruzamento de linhas atira-se desenfreado/ nos trilhos livres;
amêndoa de carbono no bojo de uma locomotiva;
um quadro esmaecido que insiste pênsil na parede;
a parte que resiste no cárcere da lembrança.
(mas se o tempo não tivesse cores,
a vida, certamente, teria parado.)

A poesia
O último Húngaro, de Odemir Tex Jr, de Santa Maria, conquistou o 1º lugar na categoria Poesia, 42º Concurso Literário Felippe D’Oliveira, em 2019. A publicação foi autorizada pela Secretaria Municipal de Cultura de Santa Maria. Crédito da imagem que abre a página: Liselotte Brunner / Pixabay.

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