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Trilhos – por Fabian Lisboa

Crônica campeã do Prêmio Universitário de Jornalismo da UFN em 2019

Caminhando por uma estrada de terra, a minha direita, algumas casas de madeira que ficam um pouco abaixo do nível da estrada, todas elas cercadas com arame, pedaços de madeira e telhas. Em um dos pátios, um cachorro me acompanha com os olhos, amarrado a uma corrente. Do outro lado, a alguns metros de distância, trilhos enferrujados, de uma antiga ferrovia.

Enquanto imagino para onde aqueles trilhos levam, vejo logo à frente, alguns meninos jogando taco. – Três pra trás entrega os taco, grita um dos meninos. Aquilo me faz lembrar a minha infância.

Naquele local, aonde o trem nunca chega, mas que a esperança nunca morre, conheci Amanda, menina inquieta, de sorriso fácil e chiclete sempre na boca. Sonha em ser veterinária. Para uma menina tão nova, mostra uma desenvoltura em se comunicar de dar inveja em qualquer jornalista ou apresentador.

Lá conheci Kauã, que sempre frisava que seu nome é com k e sem n no final. Também o pequeno Gabriel, este, em uma das nossas conversas me disse:

– Quero ser policial, quero prender as pessoas que fazem mal. Além deles, Kaila, que quando crescer quer ser como Dandara, mulher guerreira e a frente do seu tempo. Kaila, apesar da pouca idade enfrenta as dificuldades da vida como uma guerreira, como Dandara um dia fez.

Todos com menos de 10 anos de idade, sonham, imaginam, enquanto a vida passa lentamente na frente dos seus olhos e os trilhos enferrujam um pouco mais. A realidade dessas crianças é dura, me faz ter vontade de pegar uma a uma pela mão e levá-las dali, descobrir com elas onde esses trilhos vão dar. Mas não posso.

Estou só de passagem, queria fazer mais, mas só posso lhes dar é um pouco de carinho, atenção e arrancar um sorriso dos seus rostos ao invés de lágrimas. E aprender o quanto passamos a vida inteira atrás de “algo”, e no fim percebermos que isso não importa, e sim, o que fazemos de bom ao longo do caminho.

Escrevo essas palavras na minha última visita, me despeço com algumas lições e lembranças na mochila. Ao olhar para trás, torço uma última vez para o trem chegar, mas ele não chega. Então, sigo em frente, na esperança de que as crianças que conheci naquele lugar encontrem algo além dos trilhos e sejam tudo o que quiserem ser.

(*) Fabian Lisboa é jornalista, produtor de conteúdo do “Maria Cult” e o atual presidente do Movimento Eco Cultural, de São Sepé. “Trilhos” venceu¨, na categoria Melhor Crônica, o 6º Prêmio Universitário de Jornalismo da Universidade Franciscana, em 2019.

Nota do Editor: a foto (sem autoria determinada) que ilustra esta crônica é uma reprodução obtida na internet.

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