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Cartas, instituições fragilizadas e necessidade de garantir as eleições – por Paulo Pimenta

As missivas: a da dobradinha Temer/Bolsonaro e a elucidativa de Léo Pinheiro

Depois de ter sido tragado pelos orkuts, twittes do general, whatsapps do presidente, instagrans dos filhos, amigos e apaniguados e telegrans dos hackers, o Brasil parece ter recuperado o gosto pelas cartas.

Passado o apocalipse que não houve, previsto para o Dia da Pátria, a sociedade leu uma carta escrita pelas mãos embalsamadas de Michel Temer, assinada por Jair Bolsonaro e dada a conhecer ao País em 8 de setembro.

Num texto curto, de dez pontos como as tábuas da lei, jura de pés juntos que nunca desejou agredir nenhum dos Poderes. Qualquer derrapada deveu-se ao calor do momento… A harmonia entre os poderes não é desejo individual, é determinação constitucional… e por aí vai o decálogo recheado de salamaleques diante do mármore do STF que prometera assaltar com suas hordas algumas horas antes e aos talentos do ministro Alexandre de Moraes, cuja cabeça fora posta a prêmio por alguns apoiadores.

Para espanto e indignação do rebanho de adeptos, caminhoneiros pagos pelo agro e desavisados que arregimentou nessa intrigante e vertiginosa aventura do 7 de setembro, Jair Messias dá um passo atrás e se anuncia ao País convertido agora em democrata, desde criancinha.

Só nos resta acreditar na boa-fé do presidente, murmurou o ministro Gilmar Mendes. As tensões entre os Poderes são assuntos do passado secundou Gilberto Kassab, líder do PSD. Causa finita, sentenciou o missivista noturno, Michel Temer.

No último 14 de setembro, o Brasil foi posto diante da carta de próprio punho (para evitar mal-entendidos ou suspeitas…) assinada por Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, sobre a delação premiada contra o ex-presidente Lula. Publicada no jornal O Globo, porta-voz juramentado da lava-jato, pela coluna da jornalista Bela Megale, ironias da história. 

Na carta, Léo Pinheiro volta atrás nas declarações extorquidas pelos procuradores da falecida operação, constantes de sua delação premiada referente ao tráfico de influência internacional, que teria sido praticado por Lula. Especificamente, o caso da Costa Rica.

O ex-presidente da OAS afirma “não saber se houve intercessão do ex-Presidente Lula junto à ex-presidente Dilma e/ou ex-Ministro Paulo Bernardo. A empresa OAS não obteve nenhuma vantagem, pois inclusive não foi beneficiada por empréstimos do BCIE – Banco Centro Americano de Integração Econômica. Não sabendo se houve efetividade da solicitação do Presidente do BCIE, Sr. Nick Rischibeith Alöe, junto ao Sr. Ex-Presidente Lula e demais autoridades citadas.” A carta foi redigida em maio e juntada pela defesa do ex-Presidente Lula ao processo, o décimo nono, que corria na justiça contra ele.

A juíza federal Maria Carolina Akel Ayoub, da 9ª vara Federal de S. Paulo, rejeitou a denúncia de suposto tráfico internacional de influência ancorada na delação de Léo Pinheiro, por ausência de provas. O próprio MPF constatou “a baixa precisão do relato do colaborador”. 

Esses dias de setembro de 2021 têm reservado aos brasileiros eventos de tirar o fôlego. Desde a tentativa de encurralar o STF promovida pelo presidente da República que atraiu dezenas de milhares de adeptos às ruas de São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, e horas depois ofereceu ao País a humilhante carta de rendição.

Impressionado com a vertigem de setembro, o professor de Direito Constitucional da USP Conrado Ubner traçou um contundente retrato do judiciário brasileiro, no artigo Constitucionalismo ‘new age’ e seu ‘coach’, (FSP, 16 de setembro de 2021). Talvez para contribuir com as respostas à indagação daquele estrangeiro curioso que mencionei acima:

“O constitucionalismo new age vira a mesa e vende três iscas sedutoras: harmonia, pacificação e diálogo. E substitui a separação dos Poderes.”

“O princípio da “divisão e harmonia dos Poderes” estava nas constituições ditatoriais de 1967 e 1969. A Constituição de 1988 prevê Poderes “independentes e harmônicos”.(…) No constitucionalismo new age, constitucionalidade se negocia, legalidade se permuta e interesse público de qualquer tipo se transaciona. Indigência judicial disfarça violência. Urgência constitucional se posterga com pedido de vista.     

“Nessa nova era, juiz constitucional janta e canta para empresários, palestra para banqueiros e oferece acesso à justiça por WhatsApp. Também barganha precatórios com ministro da Economia, pois a reeleição do autocrata que prometeu fechar a corte precisa renovar o auxílio aos pobres.”

Um conjunto de reflexões que lança luz sobre a fragilidade do cantado e decantado em prosa e verso “normal funcionamento das instituições”. E o que nos prepara o tempestuoso processo de disputa do poder político em jogo nos próximos 12 meses. 

A fala fake do Capitão – Presidente nesta terça na abertura da Assembleia-Geral da ONU nos mostra que não há recuos efetivos nem convertimentos. Há um projeto em curso de necropolítica ancorado no ultraliberalismo, onde a vida do povo é o que menos importa.

É indispensável para os setores populares que se empenham em mobilizar a sociedade para os atos dos dias 2 de outubro e 15 de novembro pelo impeachment de Bolsonaro, estabeleçam como condições de sobrevivência da democracia: o reconhecimento do calendário eleitoral, contra o qual se bate o ex-capitão, o pleno direito dos candidatos inscritos; o respeito do resultado das urnas e a garantia da posse do eleito.

 (*) Paulo Pimenta é jornalista e deputado federal, presidente estadual do PT/RS e escreve no site às quartas-feiras.

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