Donzelas Guerreiras 5. A Rainha Ginga de Angola – por Elen Biguelini
Durante alguns anos da idade moderna, um nome feminino causava o temor de portugueses e estrangeiros que tentavam o comércio ou o domínio de uma região africana, da qual estes grupos tentavam conseguir escravizados para comerciar nas américas. Nzinga Mambembe (ou ainda Ginga, ou Jinga) era esta figura temida pelos conquistadores.
Esta rainha angolana aparece em diversos textos modernos, de viajantes e conquistadores, seus conterrâneos. Suas atitudes, que destoavam dos ideais de feminilidade do século XVII português, causavam um choque muito grande àqueles senhores e senhoras portugueses que a conheciam.
Nzinga nasceu como a primogênita de seu pai em 1582. Seu avô teria sido o primeiro líder local a ter contato com os Portugueses que adentraram pela região africana em que moravam, o Ndongo (ou Dongo, atual Angola). Como filha do rei, mas mulher, o trono não lhe era predestinado e seu irmão foi quem assumiu com a morte de seu pai, quando a futura rainha tinha já 25 anos.
Até seus 41 anos foi apenas filha e neta do rei, mas posteriormente passou a assumir uma posição de autoridade religiosa e militar. Sua posição na família fez com que seu irmão a enviasse a Luanda (cidade fundada por portugueses) para assinar um contrato com os conquistadores.
É desta visita que se retrata o acontecimento mais conectado à história da rainha Ginga. Ao ser recebida pelo Governador em Luanda, ela teria percebido que este se sentava em uma cadeira e nenhuma havia sido reservada para ela. Chamou, então, uma das pessoas de sua companhia e fez desta uma cadeira, onde sentou-se.
Este acontecimento foi retratado como selvageria, loucura e comprovação da falta de conhecimentos sociais da então princesa africana. Era, no entanto, uma forma de demonstrar para os Portugueses que Ginga também tinha seu valor e, como representante real que era, merecia estar no mesmo patamar em que o governador; logo, merecia uma cadeira.
Durante o ano em que passou na atual capital de Angola, ela negociou um tratado de paz. Uma das condições que precisou aceitar foi a conversão ao catolicismo. É então que recebe outro nome pelo qual é conhecida, o nome de Ana de Souza. Suas irmãs, que a acompanhavam na expedição, também eventualmente se converteram.
Quando retornou a Ndongo, assumiu o trono após um embate com seu irmão. Embora tivesse então recebido o batismo católico, ao governar o seu povo não seguiu os ensinamentos que havia aprendido em Luanda. Para além disso, ignorou o tratado que assinara e bloqueou rotas de comércio de escravizados que eram importantes para aquele comércio português.
Uma guerra com os portugueses se iniciou, e ela teve que se refugiar durante alguns anos em uma ilha do rio Kwanza. Mais tarde fundou o reino de Matamba e a liderar grupos de guerreiros no embate contra os conquistadores. Para vencê-los, Nzinga se aliou aos holandeses que aumentavam suas regiões na África.
A partir da década de 1640, a rainha Ginga passou a vestir trajes típicos masculinos – o que a coloca nesta lista de donzelas guerreiras. Sua posição de poder foi severamente questionada tanto por portugueses quanto por angolanos: por ser uma mulher.
Sua grande capacidade como comandante (utilizou várias técnicas inovadoras para a proteção das aldeias de seu reinado) e posição como herdeira legitima de seu avô, pai e irmão (que lhe destinou o trono quando faleceu); não era aceita e legitimada nem mesmo por seu próprio povo.
Mas sua história demonstra que, apesar de questionada, continuou a comandar seu reino com destreza e habilidade, fazendo e desfazendo acordos; guerreando e protegendo seu povo.
A rainha morreu idosa, aos 82 anos de idade, pacificamente em seu reino de Matamba, em dezembro de 1663. Mas sua presença marca a história de diversos países.
Atualmente, é uma heroína angolana. Representa também o poder para os afro-brasileiros, visto que muito de seus guerreiros foram aprisionados por portugueses e trazidos e escravizados no Brasil. Sua memória vive nos quilombos, especialmente o de Palmares, em festas populares, na língua portuguesa, nas tradições e na memória coletiva de um povo que foi escravizado, mas que lutou de todas as formas que pode para procurar sua liberdade.
Para ler mais sobre:
http://www.palmares.gov.br/?p=53160
https://www.ufrgs.br/africanas/nzinga-mbandi-1583-1663/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_de_Sousa
Filme: “Nzinga, a Rainha de Angola” (2013). Em português angolano.
*Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.
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