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Mídia de massa, informação e democracia – por Michael Almeida Di Giacomo

O articulista, exemplos de outros países e os mitos sobre a regulamentação

Na Carta da República – 1988 – é a partir do capítulo a tratar da comunicação social, artigos 220 a 224, que se tem a previsão constitucional a assegurar o caráter diverso e pluralista do sistema de comunicação social. Porém, a maior parte dos referidos artigos carecem de regulamentação.

A matéria, há décadas, é tratada como um verdadeiro tabu em nosso país.

O debate público sobre a democratização do espaço da mídia de massa – quando acontece – acaba prejudicado pela exteriorização de um discurso nocivo, a evidenciar o forte viés político, econômico e ideológico das empresas de comunicação, o que resta por inviabilizar qualquer avanço legislativo.

Aliás, uma das narrativas mais falaciosas é a que surge por parte dos detentores dos oligopólios e formadores de monopólios de comunicação – e de alguns de seus funcionários, de que a regulação dos meios dever ser compreendida como “censura” aos veículos e aos profissionais.

A narrativa da “censura” surge como um grande paradoxo, pois vai de encontro ao próprio espírito da Carta Constitucional. É a referida Carta que justamente tutela a cada cidadão e cidadã, enquanto direito fundamental, o pleno exercício das liberdades comunicativas, o que incluiu, por certo, o protagonismo na esfera pública comunicacional, não somente do veículo, mas de todos os cidadãos e cidadãs.

O imbróglio dogmático obstaculiza o mais importante, que é a promoção do diálogo sobre a regulação e autorregulação do sistema, sua relação com os meios de participação social e a promoção do interesse público, a consolidar o exercício do direito humano à comunicação.

Em breve ilustração, no que se refere a normas vigentes, a outorga – a autorizar o funcionamento dos veículos de radiodifusão e TV – é concedida pelo governo federal e apreciada pelo Congresso Nacional. As concessões e permissões se renovam quase que automaticamente. Há casos, no entanto, em que muitos veículos continuam funcionando normalmente, mesmo com suas outorgas vencidas.

Essa é a realidade brasileira.

Contudo, há nações que já conseguiram estabelecer normas e diretrizes a regular seus sistemas de comunicação, com respeito às liberdades comunicativas e ao interesse público.  É o caso da França e da Alemanha, para ficar em poucos exemplos do continente europeu.

Na França, em outubro de 2019, o Conselho Superior de Audiovisual – órgão responsável pela regulação de concessões do serviço de radiodifusão – transmitiu ao vivo as audiências públicas de candidaturas para a edição dos serviços locais de TV referente às zonas de Mayotte, La Réunion, La Martinique, Troyes, Bordeuax, Savoie/Haute-Savoie, Nîmes et Alès.

Na Alemanha, há 14 Autoridades Estaduais que formam a Associação das Autoridades Estaduais de Mídia da República Federal Alemã. O licenciamento e a fiscalização do funcionamento das emissoras de mídia, são regulados pelas Autoridades em cada Estado da federação.

No continente Latino Americano, a informação, ou a exploração dos meios, tornou-se mercadoria valiosa. Em grande parte dos países, o modelo de comunicação adotado tem fortes semelhanças e uma relação muito próxima, ou direta, com o poder exercido por governantes de matriz liberal.

Fernando Calderón e Manuel Castells, na obra “A nova América Latina”, são contundentes ao afirmar que em nosso continente “houve uma concentração oligopólica dos meios de comunicação, exemplificada por grupos empresariais multimídias como Televisa, no México; Clarín, na Argentina e Globo no Brasil”.

A região mantém abertura a produtos oriundos de conglomerados norte-americanos ou europeus, tanto no cinema, na televisão ou no mercado editorial, o que resta por afetar a produção local dessas nações. Contudo, em alguns países do continente é possível encontrar experiências a dirimir o hiato existente entre a concentração dos meios e a tentativa de democratização da esfera pública comunicacional.

Conforme levantamento realizado pela Unesco, dos 33 países do continente, 19 promoveram ações a fim de discutir e aprovar novas legislações no segmento. Entre os países, é possível destacar o caso do México, no ano de 2014; da Argentina, em 2009; da Bolívia, 2011, do Equador, 2013, e do Uruguai, em 2014.

Um dos modelos mais exitosos pode ser observado na Bolívia.

A partir da implantação, via voto popular, de um Estado Plurinacional, o sistema de comunicação social foi regulado por meio da Lei Geral de Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação.

A legislação surge como um mecanismo a tutelar os direitos à liberdade de expressão, a diversidade da palavra e a participação ativa e informada dos bolivianos e bolivianas. A distribuição das redes de frequência de radiodifusão e frequência modulada e de Televisão se dá na seguinte forma: estado, 33%; comercial, até 33 %; social comunitária, até 17%; povos indígenas originários campesinos e comunidades interculturais e afrobolivianos, 17%.

O ordenamento boliviano sobre a mídia de massa tem em seu âmago a ideia de respeito à pluralidade econômica, social, jurídica e política de todos os bolivianos. Também considera como protagonistas as nações e os povos indígenas originários e as comunidades interculturais, na discussão e implantação de políticas públicas na área.

Não é por nada que o povo Boliviano não aceitou o golpe de Estado promovido pelas Forças Armadas em 2019, com o apoio de políticos liderados por Jeanine Áñez e que deixou como marca 36 vítimas fatais, mais de 800 feridos e 1500 pessoas detidas de forma arbitrária.

O acesso à informação, o direito de informar e informar-se é, sem dúvida, um dos pilares de uma nação democrática. Estes princípios estão no âmago de toda a discussão sobre a democratização dos meios.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Nota do Editor: a foto (sem autoria determinada) que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na internet. Um dos sites em que ela é encontrada está este: AQUI.

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Um Comentário

  1. Tipicas falacias do pessoal do juridico. Confrontados com a realidade fogem para a teoria dos alfarrabios e o que acontece em paises desenvolvidos. Não vivemos na França, não vivemos na Alemanha. Nem na Bolivia, Mexico ou Argentina. O contexto é completamente diferente.
    Calderon, é necessario desativar o apelo a autoridade, é um boliviano que leciona na Argentina, pais em decadencia há mais de 100 anos. Castells é autodeclarado ex-marxista, na esquerda o leopardo muda as pintas mas continua leopardo, e ex-colega de Efeagjá na Universidade de Nanterre onde ambos foram professores de Dany Le Rouge.
    Há que separar o trabalho academico de alguns e suas posições politicas. As primeiras não dão maior valor para as ultimas.
    Resumo da ópera: esquerda tem objetivo de controlar o discurso; não é só ‘midia de massa’ que ninguém se engane, internet, redes sociais e aplicativos de comunicação vão junto, à la chinesa. Bode foi colocado na sala para o resto da população ir discutir com os vermelhinhos a ideologia deles. Empresarios não estão nem aí (vide o Partido dos Herdeiros da Aldeia), ganhando a grana que sempre ganharam está tudo em casa, na pior das hipoteses migram para o exterior (como aconteceu na Venezuela) e levam o que podem junto. Ou seja, para quem acreditar nas ‘boas intenções’ desta gente eu tenho uma universidade para vender ali em Camobi, sai baratinho e é ‘uma das melhores do mundo’.

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