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A menstruação pede visibilidade – por Maria Celeste Landerdahl

“O impacto social negativo da falta de atenção aos direitos reprodutivos”

A menstruação é um evento biológico que compreende a descamação do endométrio, camada interna do útero que prolifera todos os meses preparando a cavidade uterina para a implantação de um óvulo fecundado. Quando não ocorre a fecundação, essa camada de sangue “se quebra” e é eliminada através do canal vaginal. Em síntese, todos os meses, a partir dos 12 anos de idade mais ou menos, o corpo de meninas e de mulheres se prepara para uma gravidez mediante uma verdadeira revolução hormonal. E isso acontece ao longo de toda sua vida reprodutiva, que é interrompida apenas durante a gravidez e com a chegada da menopausa, perto dos cinquenta anos.

Carregada de mitos, de significados, de percepções pessoais e de simbolismos culturais que atravessam os tempos, a menstruação permanece na invisibilidade social, uma vez que é entendida como um acontecimento particular que só diz respeito a nós, mulheres. A visão reducionista, que privilegia determinantes biológicos em detrimento dos sociais na interpretação de fenômenos no campo da saúde é bem presente no caso da menstruação. Talvez a aceitação das mulheres, somada à escassez de conhecimento sistematizado sobre o impacto negativo que o sangramento mensal tem na vida e saúde de mulheres em situação de vulnerabilidade, tenha facilitado a invisibilidade da “pobreza menstrual” por muito tempo.

A pesquisa “Pobreza Menstrual no Brasil: Desigualdade e Violações de Direitos”, realizada pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) vem para dar um pouco de luz a essa temática. O Relatório apresentado em maio de 2021 aborda a “pobreza menstrual” como a falta de conhecimentos sobre a anatomia e a fisiologia do corpo, incluindo o ciclo menstrual; a falta de acesso a recursos adequados para a coleta do produto menstrual; e a precariedade na infraestrutura básica de cuidados higiênicos, tanto em casa como na escola.

Dentre a multiplicidade de dados objetivos, a pesquisa aponta que 713 mil meninas não têm acesso a banheiro ou chuveiro na sua casa e mais de 4 milhões não têm acesso a insumos mínimos para os cuidados menstruais nas escolas. Isso inclui falta de acesso a absorventes, água, sabão, papel higiênico e banheiros adequados. Situação que facilita a evasão escolar.

A série de privações não se restringe somente à forma precária de coletar o produto menstrual como denunciam as informações da pesquisa. Acima de tudo, a investigação mostra que o fenômeno vai além do corpo das mulheres, interferindo na sua saúde integral, na mobilidade, nos direitos e na dignidade de meninas em idade escolar. Escancara, sobretudo, a desigualdade social existente no país, situação que, obviamente vem se agravando com a pandemia da COVID-19, atingindo em cheio as mulheres pobres.

Esses dados funcionam como um soco no estômago de qualquer pessoa que defende a igualdade de direitos e de oportunidades entre os seres humanos. Quando ampliamos o olhar para outros grupos de mulheres em situação vulnerável, o cenário é muito mais alarmante, com certeza.

Essa realidade injusta fundamenta o óbvio: é urgente que se efetive uma política pública municipal, ou estadual, ou federal que forneça, pelo menos, absorvente higiênico às meninas. E não só às meninas, todas as mulheres em situação de vulnerabilidade devem ter acesso: mulheres em situação de prisão, moradoras de rua, homens trans, pessoas não binárias que menstruam…

Há que se ressaltar o valor da pesquisa da UNFPA e da UNICEF enquanto instrumento valioso que tira da invisibilidade situações extremas de sofrimento de milhares de mulheres, ao mesmo tempo em que disponibiliza subsídios valiosos para a elaboração de políticas públicas. Da mesma forma, serve como resposta a todas aquelas pessoas que banalizam ou têm dificuldade de entender o impacto social negativo da falta de atenção aos direitos reprodutivos. Direitos esses, não podemos esquecer, conquistados pelos movimentos feministas.

(*) Maria Celeste Landerdahl é professora aposentada do Departamento de Enfermagem da UFSM. O artigo acima foi publicado originalmente no site da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (AQUI) e reproduzido com a autorização do autor.

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