Artigos

A Praça e o Parque – por Orlando Fonseca

Duas notícias fizeram renovar a minha alegria de estar em nossa cidade: o retorno da Feira do Livro à praça e a abertura do Campus da UFSM nos finais de semana. Como santa-mariense de nascimento, desde os anos 70 do século passado, tenho me relacionado com esses dois ambientes culturais. Interessado por livros e leitura, visitei a Feira desde os seus primórdios, e passei a frequentar o espaço da Federal, como aluno do curso de Letras, depois como professor, ao longo de quatro décadas. Foi por essa experiência profissional, inclusive, que conheci a relação que as duas entidades locais têm, desde o seu nascimento. Viver a cultura, em meio a esses tempos pandêmicos, é um alento dos mais elevados.

Foi motivado pela implantação da primeira Universidade Federal no interior do país que o seu fundador e reitor idealizou e realizou as duas primeiras Feiras do Livro em Santa Maria. Isso aconteceu nos anos de 1963 e 1964 – série interrompida pelo regime de exceção que se instalou no país, proibindo esse tipo de atividade. Ainda em meio à vigência da censura à realização de eventos culturais, um grupo de alunos do Curso de Comunicação da UFSM retomou a Feira do Livro, em 1973, quando se iniciou a série que nos traz até a 47.ª edição deste ano de 2021. Enfrentando dificuldades de toda ordem, econômicas, estruturais, até mesmo pandêmicas – e superando – nossa Feira constitui o maior evento cultural de nossa cidade. Para além disso, trata-se de um símbolo de resistência.

De aluno, passei a professor em nossa Universidade Federal, e com o transcurso do tempo, fui exercendo atividades administrativas, culminando com a de Pró-Reitor de Graduação, de 2010 a 2013. Em uma das reuniões costumeiras na sala da Reitoria, ouvi do Reitor Felipe Müller uma observação que me fez refletir sobre o lugar que já vivenciava há mais de 40 anos: o Campus é o Parque da cidade. Evidentemente que o espaço foi se tornando ao longo do tempo, pelas melhorias que foi adquirindo e pelo trabalho de sucessivas administrações. Naquele momento, com certeza, a falta de outro espaço com a qualidade do Campus tornou-o o que é hoje: um lugar aprazível não só para visitar, transitando por suas ruas e alamedas, mas também para se sentar nos gramados e usufruir de uma atmosfera especial. Experiência que envolve admirar a arquitetura e obras de arte, respirar o ar livre, com elementos da natureza e da modernidade dos prédios, da urbanização e ajardinamento, do mobiliário, inspirar uma aura que emana a cultura que impregna o ambiente.

Na condição de Secretário de cultura, de 2001 a 2004, tive a satisfação de participar da organização da nossa Feira do Livro, junto com todas as entidades que compõem o esforço para que ela tenha o tamanho e a importância que tem. Como escritor, por inúmeras vezes participei de sessões de autógrafo, desde a primeira vez, em uma publicação com o saudoso poeta e cronista Humberto Gabbi Zanatta, em 1981. Ao final daquela década, inauguramos uma tradição de obras coletivas, com o lançamento do Quarteto in Verso, formado por nós dois mais a companhia luxuosa de Prado Veppo e Vitor Biasoli. Foi assim que chegamos à Turma do Café que, desde 2005, tem lançado obras – já são 18 – que se juntam ao grupo de escritores que lançam seus livros na Feira, um fenômeno com mais de uma centena, todo ano. Não há outra cidade do mesmo porte que Santa Maria com façanha igual.

Assim como a UFSM, que aos poucos retoma neste mês de outubro as atividades presenciais, e abre o Parque da Cidade aos visitantes, a Feira do Livro volta à Praça – que é o seu lugar – adequando-se aos protocolos necessários para que possamos vencer, definitivamente, o Coronavírus. Vejo nesses eventos o simbolismo do raminho verde no bico da pomba, retornando à Arca de Noé, conforme a narrativa do Livro Sagrado. Sinais de vida cultural e vigor cidadão, depois da tempestade.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Um Comentário

  1. Patrono da Feira do Livro de POA em 65 foi Alcides Maia. Em 1966 foi João Simoes Lopes Neto. Em 67 Alceu Wamosy. Em 1968 Caldas Junior. Em 1969 Eduardo Guimaraens. Assim por diante. A Bienal de SP começou em 1970. Lembrando que o AI5 é do final de 68.
    Campus virou parque pela facilitação de acesso. Faixa Nova, maior disponibilidade de veiculos particulares. E omissao do poder publico municipal, criaram inumeros parques no papel para angariar votos na base do ‘depois a gente ve’.
    Autores locais tem destino bem definido. Sina das obras é embolorar em alguma prateleira obscura dos sebos da região. Quando não estiverem mais aqui para impingir suas más traçadas linhas, sem novas edições, cairão no esquecimento, virarão o nicho do nicho do nicho.
    Biblia? Prefiro a Iliada. ‘Assim como não há possibilidade de um acordo entre homens e leões, assim também entre mim e ti não pode haver pactos nem juramentos.’ Aquiles dizendo para Heitor ‘Deu pra tua bolinha’.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo