A maldade travestida de aumento salarial – por Valdeci Oliveira
A crítica do articulista à proposta feita pelo Palácio Piratini ao magistério
Dizem que os números não mentem. Até pode ser verdade, mas dependendo da maneira que são expostos podem iludir, conduzir a uma percepção distinta da realidade. O projeto de reajuste aos professores e professoras do RS, protocolado no parlamento estadual pelo governador Eduardo Leite, é um exemplo claro de uma espécie de ilusionismo numérico, de faz-de-conta.
Mas basta um olhar com certo grau de informação para vermos que tal proposta nada mais é que um verdadeiro simulacro de uma realidade longe da apregoada pelo chefe do Executivo gaúcho, uma encenação de algo que tem como único objetivo passar para a sociedade o sentimento – falso – de que nossos educadores estão, enfim, recebendo alguma atenção por parte do governador.
Infelizmente, o projeto não passa de mais uma peça de marketing. Olhando de perto, o tal reajuste de 32% não é bem assim. Está mais para “inglês ver” do que um compromisso de recomposição salarial verdadeira.
Noves fora, como bem caracterizou o combativo Sindicato dos professores, o CPERS, trata-se de uma matemática imoral que quebra uma isonomia justa e até então vigente entre a categoria. Noves fora, somente alguns servidores terão realmente alguma compensação em seus contracheques pelas perdas acumuladas nos últimos sete anos. A vida real que o governo esconde da sociedade começa pela redução que os servidores da educação sofreram em seus salários desde novembro 2014, cujo acumulado soma perto de 53%.
Nao bastasse isso, que é mais da metade que recebiam na época, a atual proposta, se assim podemos chamar, uma vez que está sendo imposta, sem diálogo ou negociação, não tem caráter linear, excluindo a maioria daqueles que já trabalharam uma vida inteira e estão aposentados. A maldade travestida de aumento ignora os funcionários de escola e aplica uma regra que diferencia o percentual dos professores.
Ao acabar com direitos da categoria, quando da alteração do seu plano de carreira, o governador tirou da sua cartola uma parcela chamada irredutibilidade, que agora impõe que seja absorvida pelo subsídio dos trabalhadores e trabalhadoras, resultando que mais de 98% dos aposentados não ganhem sequer o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) acumulado em sua gestão e perto de 33% não recebam nenhum reajuste. O mesmo acontecerá com mais de 23 mil professores em atividade.
A matemática ilusionista aplicada pelo governador, na verdade, faz com que 33,8 mil professores em atividade não venham a receber o índice de reajuste fixado pela Lei do piso nacional em 2022, que é de 31,3%. Da mesma forma, 94,2 mil aposentados, fora que 24,6 mil funcionários de escola – ativos e inativos – foram alijados do projeto.
E isso tudo em contraste com outros números, estes superlativos, como os mais de R$ 20 bi que deixam de entrar nos cofres públicos por conta das generosas políticas de isenção fiscal ao setor privado ou os R$ 10,4 bi de arrecadação que inexistem por conta da sonegação não combatida.
Podemos somar a isso os R$ 340 milhões que o estado confisca anualmente das parcas aposentadorias depois da tal “reforma” da Previdência ou os R$ 242 milhões que foram economizados no custeio (água, luz, material de expediente, entre outros) das atividades a partir do trabalho remoto durante a pandemia.
Mas a situação é ainda pior se considerarmos dois levantamentos, estes feitos pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Econômicas (IEPE) da UFRGS e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).
Ambos confrontam a inflação acumulada entre 2014 e outubro deste ano e atestam que, nesse período, enquanto o magistério teve reajuste zero (só agora o governo propõe 32% para parte dos trabalhadores da rede), o gás de cozinha teve um aumento de preço de 125,8%; a gasolina, 121,8%; a cesta básica, 101,7%; a energia elétrica, 94,3%; e a água, 58,6%.
Nas campanhas eleitorais, a Educação, assim como a Saúde, tem generosos espaços nos discursos e nas promessas, mas é esquecida junto ao fechamento das urnas. Na disputa das prévias do seu partido, no mês passado, Eduardo Leite alardeava à mídia do centro do país ter saneado as finanças estatais, feito reformas e encaminhado privatizações.
O recado era nítido: se cacifar diante do mercado e da própria legenda para a disputa das eleições presidenciais de 2022. Até mesmo um superávit no caixa do estado, de R$ 5,7 bi, que segundo a Contadoria e Auditoria-Geral do Estado é recorde em 2021, foi utilizado como prova de sua competência.
O governador só “esquecia” de uma coisa, entre outras acobertadas: não cumpria e não cumpre nem mesmo a Constituição estadual, que estabelece 35% das receitas a serem investidos na Educação, índice que não ultrapassa 27% (15,6% se considerarmos apenas os ativos, como prevê a nossa carta).
Como dá para ver, a ficção não é somente utilizada em obras literárias ou cinematográficas, nem truques, apenas por mágicos. Ambos são presenças constantes no Palácio Piratini. Basta querer enxergar.
(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. Também é 1º Secretário da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa e Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287.
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