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Chile, a vitória dos Pinguins – por Leonardo da Rocha Botega

O articulista comenta a vitória de Gabriel Boric na eleição presidencial chilena

Nos últimos dois anos, a América Latina passou por um conjunto de processos eleitorais que tiveram como principal marca a disputa entre dois polos políticos: a extrema-direita e as coalizões de esquerda. Assim foi na Bolívia, no Equador, no Peru, em Honduras e, no último domingo, no Chile.

Com exceção do Equador, apesar das diferenças entre as candidaturas vencedoras, as demais eleições representaram uma significativa derrota da ideologia neoliberal. A mais simbólica delas, sem sobra de dúvidas, foi no Chile.

O projeto neoliberal de desregulamentação da economia, livre mercado e redução do papel do Estado nas políticas sociais teve como o seu berço justamente o Chile. Após o golpe de 1973 que depôs o presidente Salvador Allende, o Ditador Augusto Pinochet montou uma equipe econômica assessorada por um conjunto de economistas da chamada Escola de Chicago, liderados por Milton Friedman.

O experimento durou até 1990. Após uma significativa derrota no plebiscito de 1988, que decidiria sobre sua permanência ou não no poder, Pinochet deixou o governo e um rastro de mortes, torturas, desaparecimentos e corrupção.

Ao longo das décadas que seguiram o fim da Ditadura Pinochet, o grupo político que passou a governar o país, a Concertación de Partidos por la Democracia (coalizão que reunia partidos de esquerda, centro-esquerda e de centro), apesar de avançar em termos de direitos civis, não rompeu com as principais bases do neoliberalismo.

Por conta disso, o Chile passou a ser propagandeado por intelectuais conservadores como um modelo de transição que deu certo. Um modelo de democracia centrista baseada no livre mercado. Uma propaganda que escondia mazelas sociais que afetavam diferentes gerações.

De um lado, um gigantesco número de idosos, aposentados ou não, trabalhando em atividades precárias, buscando renda ou complementando os baixos valores pagos devido a Reforma da Previdência feita pela Ditadura Pinochet. De outro lado, jovens e adolescentes excluídos por um modelo de educação onde o Estado cumpria apenas a função de regulador e protetor, deixando a oferta da educação para o setor privado.

Foram justamente esses jovens e adolescentes que iniciaram o processo de ruptura com o consenso que negava o descanso para os mais velhos e o futuro para os mais novos.

Em 2006, estudantes secundaristas, apelidados de Pinguins devido ao uniforme que utilizam, iniciaram fortes mobilizações. O ponto alto foi a greve dos estudantes de 30 de maio que teve a adesão de seiscentos mil estudantes, a maior mobilização estudantil da História chilena.

No encalço dos Pinguins de 2006, estudantes universitários e secundaristas realizaram protestos também gigantes entre 2011 e 2012. Dessa geração surgiram jovens lideranças que renovaram o carcomido espaço político chileno, entre essas Camila Vallejo, Giorgio Jackson, Francisco Figueroa e Gabriel Boric. Uma renovação que ganhou impulso com os protestos de 2019 e 2020.

Em resposta a esses protestos, foi instituída a Assembleia Constituinte, formada majoritariamente por grupos críticos ao neoliberalismo. Tais protestos também resultaram em vitórias de novas coalizões de esquerda e centro-esquerda nas eleições para governador e prefeitos, realizadas em maio e junho de 2021. A mais significativa dessas vitórias foi a eleição de Irací Hassler, militante feminista, do Partido Comunista Chileno, para a prefeitura da capital.

O ciclo iniciado pelos Pinguins de 2006, sofreu uma forte ameaça após o primeiro turno das eleições presidenciais, realizado em 21 de novembro. O processo deixou para trás representantes dos partidos tradicionais que dominaram a política chilena desde o fim da Ditadura, colocando no segundo turno José Antonio Kast, líder de extrema-direita, e Gabriel Boric, representante das esquerdas e, como já referi acima, uns dos líderes que emergiram dos protestos estudantis.

Era o Chile diante da possibilidade de um desfecho trágico. O país que lutou duramente contra o neoliberalismo e os entulhos da Ditadura de Pinochet poderia ser governado por um entusiasta do pinochetismo, originário de uma família cujo passado é marcado por ligações com o próprio nazismo.

Uma possibilidade que não se concretizou. Mais uma vez, assim como no Plebiscito de 1988, a cidadania chilena disse não. Não à defesa do terror de Estado! Não à intolerância! Não à exclusão social!

A esmagadora vitória de Gabriel Boric, o mais jovem presidente eleito e a maior votação presidencial da História chilena, representa a vitória dos Pinguins de 2006, dos estudantes de 2011 e 2012, dos protestos de 2019 e 2020.

A vitória de um Chile que não acredita mais em um neoliberalismo zumbi que não desperta mais nenhuma esperança. A vitória da vida e dos direitos humanos contra a política do medo e da pulsão de morte.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. A foto de Gabriel Boric, presidente eleito do Chile, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na internet.

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Um Comentário

  1. Simplorio é o que acredita que o mundo se resume a eleições. Vide Venezuela, povo que por lá está chegou por via eleitoral. Pais está até o queixo na m. Simples assim. Se passou do ponto onde a recuperação é possivel só a historia dirá. Eleição no Chile foi 56 a 44%. Comparecimento as urnas foi pouco mais da metade dos registrados. Para a eleição da constituinte que por lá funciona o comparecimento as urnas foi pouco mais de 40%. Pais tem o melhor sistema educacional da AL segundo os ultimos rankings. Economia depende muito de commodities. Como diria o Conselheiro Acácio, o problema das consequencias é que vêm depois.

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