A literatura brasileira na Era dos Absurdos – por Leonardo da Rocha Botega
O articulista e dois livros magníficos: “Torto arado” e “O avesso da pele”
Para que serve a literatura? Está é uma pergunta que nos fazemos desde os primeiros contatos com a disciplina. Em um artigo publicado em 1972, o professor Antonio Candido defendeu que a literatura tem uma forte função humanizadora. Ela é capaz de exprimir o homem e de atuar na sua formação. Uma formação que não é a de moldagem e ensinamento de convenções sociais, mas sim de produção de uma consciência de si e da própria realidade, fazendo despertar o senso crítico.
Partindo desta definição (a partir da ignorância de alguém que se aventura em um campo de conhecimento que não é o seu), ouso afirmar que tivemos nos últimos anos uma produção literária que condiz com a definição do brilhante Antonio Candido.
Em 2019, fomos brindados pelo magnifico “Torto Arado” de Itamar Vieira Júnior. Em 2020, tivemos o também magnifico “O avesso da pele” de Jeferson Tenório. Duas obras que, partindo de realidades diferentes, nos fazem despertar para as dores do Brasil profundo.
Em “Torto Arado”, Itamar Vieira Filho mergulha nas profundezas do sertão baiano, em uma comunidade quilombola marcada por resquícios escravistas que ousam em se perpetuar, para construir a força de duas irmãs: Bibiana e Belonísia.
Duas mulheres cuja vida pode ser definida em duas palavras: tragédia e resistência. Uma narrativa que nos leva a fazer a devida inflexão de gênero na famosa frase de Euclides da Cunha e afirmar que: a mulher sertaneja, negra e brasileira é acima de tudo “uma forte”!
“O Avesso da Pele”, por sua vez, nos desloca para o sul urbano, onde o garoto Pedro reconstitui a dura vida do seu pai, um negro assassinado “por engano” pela polícia. Nesse refazer da trajetória do professor Henrique, Jeferson Tenório embala uma ficção (que para muitos é profundamente real) que soa como um verdadeiro golpe que escancara aquilo que o mito das “nossas façanhas” disfarça: a desvalorização dos professores, a exclusão social e o racismo na “capital de todos os gaúchos”. Uma obra-prima de realismo que pode ser sintetizada em uma de suas últimas frases: “No sul do país, um corpo negro será sempre um corpo em risco”.
Apesar de lançados nos dois anos anteriores, em 2021 “Torto Arado” e “O Avesso da Pele” tiveram grande impacto no mercado literário brasileiro. “Torto Arado”, que em março já havia ultrapassado a marca dos 100 mil exemplares vendidos, fechou o ano sendo traduzido em várias línguas e publicado em vários países (literalmente “ganhou o mundo”) e como um dos livros mais vendidos na gigante Amazon. “O Avesso da Pele”, por sua vez, foi agraciado com o Prêmio Jabuti, a mais significativa premiação da literatura brasileira.
Porém, para além das vendas e das premiações, o mais significativo nos destaques recebidos pelos livros de Itamar Vieira Júnior e Jeferson Tenório é, sobretudo, o papel simbólico que representam. Em um país mergulhado numa verdadeira Era dos Absurdos, ver uma literatura realista, periférica, que arranca as cascas de nossas feridas sociais, ser lida por tantas pessoas é um grande sinal. Um sinal de que sim, podemos ser melhores! Sim, podemos ter esperanças! Sim, podemos, em 2022, extirpar a escrotice, a insensibilidade, a estupidez e o negacionismo do poder!
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Nota do Editor. A imagem (do livro e do autor Jeferson Tenório) que ilustra este artigo é uma reprodução obtida na internet.
Na bolha que ainda dá importancia a literatura, descontando os estudantes que são obrigados a ler muita porcaria, estão os vermelhinhos. Mundo deles gira ao redor da psicanalise furada e da critica social. Para quem é, está bom. O que leva ao assunto recorrente. Para os escritores de Santa Maria, os escritores de Santa Maria são incriveis, fantasticos, extraordinarios e cheios de talento. Idem para os atores, musicos e demais operadores da cultura. Uns concordam com os outros obviamente. As exceções são utilizadas como exemplo da regra (truquezinho basico que os jornalistas gostam muito). A era do ‘elogio em boca propria é vituperio’ já terminou faz tempo.