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ECONOMIA SOLIDÁRIA. Órgão vinculado à CNBB pede a reconsideração de transferência da Irmã Lourdes

Cáritas RS encaminha seu pedido ao Arcebispo e à Congregação da religiosa

A Cáritas é um “organismo” que existe desde os anos 50, inspirado nas ações do falecido prelado Dom Helder Câmara e sempre esteve ligado às ações em benefícios dos mais pobres. Existe em todo o mundo.

No caso brasileira, é vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e apóia “iniciativas populares, sobretudo de geração de trabalho e renda”, os chamados PACs – Projetos Alternativos Comunitários. Essa sigla está presente em vários estados do País, e compõe aquilo que a Cáritas chama de uma rede de Economia Popular Solidária.

Pois é justamente essa organização, em sua versão gaúcha, que deixa muito claro seu descontentamento com a medida que levou à transferência da coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança, guarda-chuva da economia solidária em Santa Maria e região, irmã Lourdes Dill.

O documento, encaminhado às autoridades eclesiásticas que chancelaram a medida, foi publicado no Facebook pelo Comitê Popular em Defesa da Economia Solidária. A íntegra você confere a seguir:

Mensagem da Cáritas sobre a transferência da Irmã Lourdes Dill da Arquidiocese de Santa Maria/RS

Reverendíssimo Dom Leomar Brustolim, Arcebispo da Arquidiocese de Santa Maria

Reverenda Ir. Jacinta Webler, Provincial da Irmãs Filhas do Amor Divino

Nos dirigimos a vocês no espírito de abertura que uma relação fraternal e não hierárquica permite nestes tempos de fomento à escuta, ao diálogo e a participação sinodal fomentada pelo processo da Assemblea Eclesial de América Latina y el Caribe que estamos vivendo como Igreja que somos.

Nós da Caritas Brasileira – Regional RS fomos surpreendidos com a notícia da transferência da Ir. Lourdes Dill da arquidiocese de Santa Maria para a diocese de Grajaú no Maranhão. Nossa primeira reação foi pensar que era mais uma das tantas falsas notícias, especialmente pelo tipo de narrativa que nos chegou.

Tomadas de perplexidade e enquanto procurávamos compreender o que estava acontecendo, no dia 21/12 tudo foi confirmado pela reportagem sobre a reunião no Arcebispado com um grupo de lideranças envolvidas no Projeto Esperança/Cooesperança, cuja chamada dizia que o Projeto Esperança/Cooesperança inicia processo de transição. “Transição, do latim transitĭo, é a ação e o efeito de passar de um estado para outro diferente. O conceito implica uma mudança numa forma de ser ou de estar. De um modo geral, entende-se como sendo um processo com uma certa extensão no tempo.”  

Na tentativa de assimilar o fato, tem sido inevitável o nó na garganta, as lágrimas nos olhos, a não aceitação, as dúvidas em relação à continuidade de fato do Projeto Esperança/Cooesperança na sua essência. Projeto esse que dura quase 4 décadas e tem repercussão nacional e internacional devido à dedicação e aposta de muitas pessoas movidas por sua fé ou simplesmente por sua humanidade, que compreenderam e compreendem que esta é uma forma de concretizar na sociedade valores tais como cooperação, solidariedade, dignidade humana, justiça, partilha, paz, vida para todos, que, para nós cristãs e cristãos nada mais é do que sinal visível do Reino de Deus!

Queremos reiterar que a Irmã Lourdes faz parte da família Cáritas há mais de 35 anos quando ainda tínhamos uma ação caracterizada mais por uma caridade assistencialista, pontual, sem leitura crítica sobre as causas das injustiças e da pobreza, sem uma fundamentação bíblico-teológica que nos apontasse para a pedagogia de Jesus, sem um entendimento prático sobre o Ensino Social da Igreja quanto ao seu papel enquanto Igreja Povo de Deus que deve agir no mundo para transformar as estruturas injustas da sociedade na defesa da dignidade humana. Mas, no caminhar histórico da Rede Cáritas Brasileira, foi ficando cada vez mais claro que sua missão junto aos pobres não devia ser somente atendê-los, mas contribuir para a alteração das condições políticas, econômicas, sociais e organizativas para que a vida em abundância seja experimentada já aqui e agora.

Desse entendimento começamos a trabalhar com os Projetos Alternativos Comunitários – PACs (hoje EPS), especialmente nas Cáritas Diocesanas do RS, sendo que Dom Ivo Lorscheiter foi um dos bispos que ousou trabalhar para que a “pobreza” se tornasse a “riqueza dos povos”, um ato de coragem e de encorajamento do povo, seguido de Dom Hélio, o que foi imprescindível para a consolidação do Projeto Esperança/Copesperança.

A Cáritas Brasileira celebrou na Feicoop 2020, 40 anos de compromisso com a Economia Popular Solidária (EPS), a qual tem sido uma Área de Atuação Prioritária de seu trabalho, e, Santa Maria um ponto de encontro de seus agentes e parceiros de todo o Brasil e de outros países que, anualmente por ocasião da das edições da Feicoop, aprofundam a mística, compartilham saberes e experiências, analisam os desafios dos diferentes contextos, festejam avanços e renovam as convicções para prosseguir sendo “carícia de Deus” junto de tantos homens, mulheres e jovens que constroem esta outra economia e sociedade.

Tanto o espaço quanto o processo da EPS vivido em Santa Maria não seria o que é hoje, sem o apoio de entidades da cooperação internacional como por exemplo, a Misereor (entidade vinculada ao Episcopado Alemão) que reconheceu a relevância dessa inciativa apoiando por 30 anos a Cáritas RS e a experiência do Projeto Esperança/Cooesperança tendo-o visitado várias vezes, promovendo encontros, seminários, oficinas e viabilizado iniciativas de inúmeros grupos que hoje tem trabalho, renda, dignidade e sonham juntos o caminho para um futuro melhor, conforme o Papa Francisco convida toda a humanidade e a Igreja a fazer.

A Cáritas Brasileira e a Cáritas RS nos seus 65 e 60 anos respectivamente celebrados em novembro de 2021, contaram com a contribuição orgânica da Irmã Lourdes a mais de 35 anos, participando de seus processos de planejamento, execução de ações e também contribuindo nos espaços de gestão no Conselho Regional da Cáritas RS por dois mandatos e como vice-presidente da Cáritas Brasileira de 2016 – 2019, sinal de reconhecimento da sua capacidade de contribuir para as tomadas de decisões e para nos animar na missão.

Agora pedimos licença para expressar algumas questões que a transferência da Irmã Lourdes nos tem suscitado:

– ao tomar a decisão foi considerado o que representam o trabalho e a presença da Ir. Lourdes para os menos favorecidos de Santa Maria e para os demais sobrantes do capitalismo, este sistema que mata?

– se teve presente a dimensão profética e encarnada da vida religiosa sendo um espinho para o poder econômico desalmado como o das fumageiras, por exemplo? Ao mesmo tempo sendo uma religiosa animadora da espiritualidade engajada, construtora de pontes não de muros, com capacidade de dialogar com todos mesmo quem tem posicionamento e visão de mundo distintos dos seus, que só alguém com uma opção de vida radical é capaz de ter?

– quem já participou do ambiente do Feirão Colonial e da Feicoop viveu a experiência da dimensão macro da proposta, mas acima de tudo da mística inter-religiosa que a envolve e a mantém com profundo respeito às diversidades culturais, mostrando uma Igreja que dialoga com as diferenças sem perder sua identidade. Compreendemos ser este um espaço de transformações, de evangelização, de bem viver e de vida?

– foi dimensionado o que significa a perseverança, a doação, a capacidade de aglutinar e organizar da Irmã em torno de um outro jeito de produzir, comercializar, sonhar outro mundo… concretizando, através da EPS e do Cooperativismo, o que o Papa Francisco tem pedido: uma economia com alma, a serviço das necessidades da vida humana e da biodiversidade?

– ao decidir a transição do projeto, se teve em conta que esta experiência esteve e está entre aquelas escolhidas mundialmente para inspirar a proposta da Economia de Francisco e Clara?

– não duvidamos da capacidade dos coletivos para continuar esse projeto, mas nos perguntamos: para dar continuidade a ele, é necessário retirar a pessoa que é referência, inspiração, força que mantém a conexão entre as origens desde Dom Ivo, a história de décadas, a memória registrada e vivida com os desafios da atualidade de agudização da pobreza, avanço da fome e do desemprego, entre tantas outras mazelas?

– alguém questionou em um dos milhares de comentários das redes sociais: a quem interessa que a Irmã Lourdes não esteja mais nesse lugar? Nós agentes de Cáritas respondemos: os cristãos comprometidos com a Boa Nova do Reino (o Evangelho) defendem a presença e o trabalho dela em solo gaúcho pois é o exemplo de uma prática transformadora concreta. É luz, sal e fermento que faz diferença.

– aos 70 anos uma mulher pode ser mãe, avó e bisavó, ou, simplesmente uma Irmã. Dependendo da idade de cada um/a de nós podemos nos colocar numa dessas relações geracionais. Teríamos coragem de transpor de um lugar para outro essa, nossa mãe, avó, bisa ou mana sem respeitar sua vontade ou o seu tempo para se organizar?

– chega um tempo em que a pessoa se confunde com a missão que realiza, o lugar onde habita e as pessoas com quem interage, como foi o caso do próprio Nazareno. Alguns exemplos de tal fusão e entrega são: Teresa (de Calcutá), São Francisco (de Assis), Pedro Casaldáliga (São Félix do Araguaia), Dom Hélder Câmara (Olinda e Recife), Santa Dulce dos Pobres (Salvador = uma vida toda a serviço dos pobres e doentes no mesmo lugar), Ir. Dorothy Stang (irmã dos povos das florestas de Anapu) e tantos outros exemplos que poderíamos citar, por que a Irmã não pode ter o direito de ser Irmã Lourdes (de Santa Maria)?

Compreendemos também, que sua presença incomoda alguns setores poderosos da sociedade local, mas isto é o sinal mais evidente da dimensão profética de seu trabalho, de seus posicionamentos e de sua fala. “Felizes aqueles/as que são perseguidos por serem justos, pois deles/as é o Reino dos Céus” (Mt.5,10). Em tempos de tão poucos profetas e profetisas deveríamos fortalecer e apoiar os/as que tão bem representam uma Igreja pobre, dos pobres e para os pobres nas Galileias existenciais e sociais onde exercem seu profetismo.

Considerando todas as reflexões colocadas, enquanto Rede Cáritas do Rio Grande do Sul e toda Rede Cáritas Brasileira, que tem como missão “Anunciar e Testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo…” Não encontramos razões e elementos que justifiquem e fundamentem, pastoralmente e evangelicamente, a tempestiva decisão da transferência da Irmã Lourdes. Neste sentido, em comunhão fraterna, sugerimos que seja reconsiderada a transferência da Irmã Lourdes e que ela permaneça sendo esperança, resistência e profecia através do Projeto Esperança/Cooesperança e da sua missão Cáritas, no Rio grande do Sul e no Brasil.

Nossa comunhão orante, especialmente para o Capítulo da Congregação das Filhas do Amor Divino!

Porto Alegre, 12 de janeiro de 2022

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

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