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Lixeiras, contêineres e responsabilidade – por Marta Tocchetto

Os resíduos destinados à coleta pública são acondicionados em sacolas ou sacos plásticos, os quais permanecem em contêineres ou lixeiras até serem recolhidos. A coleta obedece a uma programação conforme a região da cidade, em dias e horários pré-estabelecidos. O recomendado é que os resíduos sejam depositados de acordo com essa agenda. Alguns prédios possuem local de armazenamento temporário para evitar que os sacos fiquem expostos em via pública enquanto aguardam o recolhimento, mas o mais comum é que os contêineres e lixeiras sirvam para este propósito.

A ausência de coleta seletiva na cidade desestimula que segregação seja feita pelos geradores, assim não é raro, encontrar resíduos orgânicos misturados, em especial restos alimentares, junto aos recicláveis e aos rejeitos. A grave crise econômica e o desemprego têm contribuído, grandemente, para o aumento do número de catadores informais que buscam não apenas o sustento com a venda do material catado, mas restos e sobras para suprir o alimento para sua família.

O retorno do Brasil à situação de fome extrema nos entristece e nos envergonha. Na garimpagem dos materiais muitos sacos são rasgados e os resíduos resultam espalhados e/ou jogados nas ruas. Para agravar a situação, a limpeza e a higienização não são realizadas com a frequência necessária.

Minha percepção e experiência demonstram que a maioria das pessoas não se preocupa com estes locais, a não ser que a sujeira e o mau cheiro aumentem, sobretudo em dias mais quentes, como os que estão ocorrendo em Santa Maria neste verão. O descarte mais parece um arremesso. O saco é atirado rapidamente, muitas vezes, ocasionando o rompimento, pois além da mistura, contém vidros quebrados e materiais pontiagudos.

A presença destes materiais ocasiona diversos acidentes aos trabalhadores da limpeza que precisam ficar afastados do trabalho por longos períodos. Em prédios particulares, na melhor das hipóteses, a faxina é realizada semanalmente. O descompromisso com a separação correta e com o descarte nos dias e horários programados traz ainda como consequência, a atração para estes locais de ratos, baratas, moscas, mosquitos e diversos vetores causadores de doenças. Voltamos a mesma questão – aquilo que é coletivo (de todos) não é responsabilidade de ninguém!

Certa vez, conversando com o proprietário de uma empresa de desratização, ele me falou que são três os fatores principais que atraem estes animais. São os conhecidos 3As: alimento, abrigo e água. Fica fácil agora entender o porquê de ratos infestarem e serem assíduos frequentadores de locais em que há depósito de lixo.

Uma manhã dessas, resolvi podar algumas plantas do meu jardim. Entre um descanso e outro, observei três ratos criados revirando a lixeira do prédio em frente. Eu tenho pânico de ratos! Bastava um pouco de tranquilidade na rua, em plena luz do dia, para eles saírem da toca e voltarem a se fartar com o lixo espalhado dos sacos rompidos depositados na lixeira.

Me pus a refletir: como moradores que tem crianças, animais de estimação e um bom padrão econômico não se preocupam com o risco daquela situação? É como se a rua fosse de ninguém, apesar de todos se servirem dela.

Em um terreno baldio muito próximo desse prédio e da minha casa foi instalada uma lixeira metálica. Não raras vezes, vejo carros estacionarem, exclusivamente, para descartar todo o tipo de material, inclusive, eletroeletrônicos que possuem substâncias tóxicas prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Já vi a própria vizinhança se valer da “lixeira sem dono”, em vez de descartar os seus resíduos em frente a sua própria casa.

Contêineres destampados oferecem o mesmo problema das lixeiras. A tampa é para evitar o acesso de vetores, da chuva, a dispersão de mau cheiro e reduzir o contato do interior com o meio externo. É bastante comum encontrá-los abertos. Estes comportamentos são um grande equívoco, pois nossas ações sobre o meio ambiente repercutirão, mais dia menos dia, a nós mesmos, seja pela água poluída, pelo solo, pelo ar, pelos alimentos contaminados ou pela ocorrência de doenças.

O meio ambiente não tem fronteiras, nem muros de separação, tampouco existe fora. Tudo está conectado e acaba voltando à origem. Se pensarmos nas variantes do coronavírus que surgem em países distantes e, em pouco tempo batem a nossa porta, vemos que o planeta é um só. Então, não adianta achar que colocar o resíduo fora de casa ou em outro ponto da cidade ou jogar no rio ou no mar estamos nos livrando do problema e das consequências. Precisamos mais do que nunca nos dar conta que nossas atitudes individuais impactam o coletivo e a vida de todos.

Vivemos em sociedade. Não será empurrando com a barriga ou repassando a responsabilidade para o poder público que Santa Maria será melhor. A cidade será melhor, quanto melhor e quanto mais responsável cada um for. Que tal incluir nos propósitos para 2022, além da separação de resíduos, o descarte nos dias e nos horários programados? Uma cidade mais limpa se reflete na saúde dos seus habitantes e do meio ambiente.

*Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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2 Comentários

  1. Residuos destinados a coleta publica são responsabilidade do Executivo. É cobrada taxa para isto. Falta gestão, falta profissionalismo? Responsaveis são bem determinados. Querem que a população trabalhe para financiar a maquina publica e nas horas vagas ainda ‘colabore’ para fazer o trabalho que o poder publico é pago para fazer? É necessário pagar o serviço, dizer como tem que ser feito e ajudar a realizá-lo? Piada! Qual animal não precisa de abrigo, alimento e água? Empresas de jardinagem também discartam restos de poda em containers, geralmente longe de onde foi realizado o trabalho. Ratos, baratas, moscas e mosquitos também fazem parte do meio ambiente. Gatos sem dono e ocasionalmente alguma cobra também desempenham seu papel no ecossistema urbano. Ratos têm dentes para romper sacos, sem problema. Gente com bom padrão economico não se preocupa, parece óbvio, maioria não é tão ‘sensivel’, falta tempo, têm outros problemas e/ou não têm vocação para ‘fiscais do universo’. Resumo da ópera: têm liberdade para determinar o que é proridade para seu proprio bem estar, não precisma de um ‘grilo falante’ vermelhinho.

  2. ‘O retorno do Brasil à situação de fome extrema nos entristece e nos envergonha.’ Problema existe, óbvio. Mas está sendo exagerado por motivos eleitorais. É só mais uma ‘narrativa’. Numeros, não os que os vermelhinhos tiram do bolso, de ONG’s estrangeiras (sem interesse em eleição) devem ser observados.
    Vermelhinhos(as) ‘se adonaram’ da pauta ‘residuos’. Logo objetivo é provar que a ideologia funcina (algo impossivel), não resolver problemas. ‘Recicladores deveriam ser remunerados pelo serviço’, ou seja, mais um programa de transferencia de renda, dinheiro publico. ‘Todos os recicladores devem estar vinculados a cooperativas, proibida atividade para quem não estiver’. Obvio que não seria respeitado, logo ‘é necessario mais fiscais (mais dinheiro publico, mais servidores publicos ad hoc sem concurso), quem for contra é defensor do Estado minimo’. Além do autoritarismo, um argumento do espantalho para acompanhar. Resumo da ópera: acham que a população trabalha para financiar seus devaneios ideologicos. Geralmente um povo de classe media alta que só sabe produzir textos, falar e esfregar a barriga na mesa.

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