Artigos

Enxugando gelo – por Marcelo Arigony

Acordo com a notícia de uma grande operação policial. Dezenas de presos. Trabalho eficiente da polícia civil, que realizou uma grande investigação, articulada com a polícia militar, cautelares deferidas pelo Poder Judiciário, após o parecer favorável do Ministério Público, com base em importantes perícias do IGP. O rufar do helicóptero da polícia é ouvido ao longe.

Os crimes investigados, alvo do trabalho policial, são diversos: organização criminosa, corrupção de menores, porte e posse ilegal de armas, tráfico de drogas e homicídios. As prisões foram decretadas com base em inconteste suporte de elementos de informação colhidos na fase investigatória preliminar. Foram presos homens e mulheres. Apreendidos alguns adolescentes. Tudo indica delinquência típica de facções.

Essa notícia tem sido uma constante. As polícias nunca trabalharam tanto. Nunca houve tantas prisões, apreensões de armas e drogas. Nunca foi produzido tanto elemento investigatório apto a ensejar ações penais com probabilidade de condenação. Mas a criminalidade não cede! Em que pese a redução de alguns índices, pela boa coordenação e empenho das forças de segurança, e pela pandemia que remodelou o crime tradicional, quando afastamos a lente para olhar a linha do tempo, enxergamos uma linha criminosa crescente.

E onde estão os gargalos? No antes e no depois.

No antes, pela precariedade de políticas que possam efetivamente trazer dignidade nas áreas de vulnerabilidade social, onde as crianças crescem sob outros signos, e os adolescentes veneram outros símbolos. Passou da hora de olharmos os cinturões de marginalidade que circundam as cidades. É tempo de lançarmos um olhar acolhedor. Nossas crianças, nascidas em comunidades de alto risco, têm outros valores, aprendem outras coisas. No mais das vezes, suas oportunidades estão nas fileiras do crime.

É tempo de pagar melhor o professor e estruturar melhor nossas escolas. É tempo de fomentar o esporte. É tempo de desenvolver programas de acompanhamento familiar. É tempo de salvar nossas crianças, para que possam amanha serem respeitados como cidadão e respeitar a cidadania.

O outro gargalo está no depois: o sistema prisional não tem estrutura sequer para conter a massa carcerária; nem se pense em ressocialização. Aliás, ressocializar quem? Se lá atrás não foi dada socialização. O que esperar de quem hoje integra o exército do crime? Pois é. Os grupos criminosos estão articulados, e hoje exploram com maestria as falhas que antes lhes marginalizavam.

E o que pensa um delegado que diz isso? Polícia garantista? Sinal do novo tempo.

Um delegado pensa assim, porque já viveu, já viu, já estudou e já ensinou sobre crime e criminalidade; pensa assim porque enxerga a imperiosa necessidade de mudança de paradigma. Polícia é paliativo, trabalha na consequência. Uma mudança verdadeira na perspectiva só vem com políticas públicas em outras áreas, a começar por urbanização com vista à dignidade. Precisamos, no antes, investir nas nossas crianças, criando condições para que venham a integrar a sociedade que pretendemos organizada, e não as fileiras do crime. E no depois, investir maciçamente no sistema prisional, para que o preso cumpra a pena num ambiente duro, mas justo e digno. Do contrário, as polícias apenas enxugam o gelo!

*Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

3 Comentários

  1. Podcasts no Youtube entrevistam ex-presidiarios. Filme na Netflix, ‘Intervenção’, tem as mesmas notas psolistas. Não é bom, orçamento deve ter sido curto, o roteiro é embaralhado e traz muita informação em pouco tempo. Total, a sinalização da virtude está lá também. Resumo da ópera, é melhor parar de discutir utopias e fazer o melhor possivel com o que se tem. Perde-se muito tempo debatendo filosofia e utopias.

  2. Resumo é que estiveram na escola e abandonaram. Tiveram oportunidade e não aproveitaram. Motivo? Variam, mas duvido que exista ‘politica publica’ para corrigir em massa o problema da familia desestruturada (que existe em outras classes sociais tambem, sem a delinquencia no entanto). Existe também o preconceito implicito, quem vive na periferia é um delinquente em potencial. A grande maioria que é honesta e trabalha apesar das circunstancias desfavoráveis não existe, a ‘socialização’ deles não existe. Outro argumento ‘os vulneraveis veem o exemplo dos traficantes’, uma leitura de pensamento em massa. Sim, e os que veem o ‘exemplo’ e não seguem, grande maioria? O Estado tem que dar esporte, escola (que se resume a salario de professores(as)) e tudo o mais. O mesmo Estado que não controla o interior das casas prisionais, não fornece os meios de vida e não constroi presidios em numero suficiente. Nesta parte vem o ‘construir escolas para não construir presidios’. ‘Citam’ Darcy Ribeiro, que citava (a mesma frase) Vitor Hugo ou Mark Twain (é um chavão).

  3. Policia garantista? Não obvio. Beira o abolicionismo penal. E quem critica é ‘punitivista’, já vem com desqualificação pronta. Motivo simples, grande maioria dos ‘estudiosos’ do fenomeno criminal no brasil é vermelhinho (a ideologia que teme assumir o proprio nome). O proprio garantismo já foi desfigurado. Se lembro bem nesta ‘teoria’, a pena tem carater retributivo, não há abolicionismo, não existe o aspecto sanatorial (a ressocialização), etc. Dados dos presos. Estatisticas somam pretos e pardos para ressaltar o aspecto etnico/fenotipico (sem falar no aspecto regional, em algumas regiões a maioria é preta/parda). Numero de presos é exacerbado, pessoal do aberto/semi-aberto é contado junto com os do regime fechado. Mais da metade dos encarcerados (numero varia com a fonte) tem o fundamental completo, mas daí vem alguém e fala que 75% (o numero mais bonita para propaganda) não completou o ensino médio.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo