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Faltará futuro para tanta ausência de visão – por Marta Tocchetto

Há semanas busco responder uma afirmação que desde que a ouvi, me inquieta – Falta visão de futuro aos ocupantes das áreas de risco. Que futuro está sendo possibilitado a essas pessoas? Que futuro essas pessoas podem esperar? Como ter visão de futuro ante às incertezas do presente? A grave situação atual acirra as obscuridades e abrevia o tempo.

Sem certezas, sem segurança, sem confiança é impossível pensar em futuro, quanto mais prever e planejar. A ocupação de áreas de risco reflete a ausência de alternativas dignas para a população. Reflete a ausência de políticas públicas que busquem reduzir a desigualdade social e a degradação ambiental.

O crescimento da fome, do desemprego e da pobreza empurram as populações desprotegidas para a periferia das cidades e para as áreas com fragilidades geológica e ambiental. Não existem estratégias, por parte dos governos, que as abriguem dignamente.

A situação só não é pior porque a própria sociedade cria movimentos para amenizar as suas mazelas sociais e para acolher os atingidos. Segundo o IBGE, 8,27 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco em 827 municípios. Esta população ocupa 2,47 milhões de moradias. A região Sudeste abriga a maior parcela. A radiografia do país pode ser ainda mais caótica, pois os números, estimam-se que sejam maiores.

A pandemia está sendo mais um fator para superlativar os índices e os flagelos. Essa base de dados poderia ser usada para a adoção de políticas públicas, a fim de evitar as tragédias decorrentes de desastres naturais. Tragédias como as ocorridas recentemente na Grande São Paulo e em Minas Gerais expõem ao restante do país e ao mundo, a ferida e seus pruridos.

A invisibilidade do problema e da população atingida é obra de uma sociedade e de um poder político que não quer enxergar as suas mazelas, tampouco agir. A luz sobre o problema é direcionada quando os noticiários dos telejornais trazem à cena as calamidades agravadas pela crise climática. Chuvas, vendavais, enchentes e outros eventos cada vez mais intensos, somados à ocupação desordenada agravam a situação e acrescentam temperos à tragédia, que mostra faces cada vez mais calamitosas.

Mortes, soterramentos, perdas do pouco ou quase nada adquirido com grandes sacrifícios, sensibilizam temporariamente, enquanto a contabilização de vítimas e das perdas é realizada. Concluída a etapa, cada um com os seus problemas! A tragédia volta a ser exclusivamente dos atingidos. Somem os políticos que acenam com ajudas financeiras emergenciais.

Some a solidariedade que é efetiva para amenizar os efeitos imediatos. A reconstrução, a recomposição e a superação passam a ser mais um problema de exclusividade dos vitimados duplamente pelas consequências ambientais e econômicas. Ante ao virar das costas para a situação, não restam alternativas senão retornar ao lugar do infortúnio. É a falta de opções e de oportunidades que reconduz as pessoas aos locais de perigo.

Programas de moradia popular, acesso ao crédito mais barato, atualização do mapeamento das áreas de risco, planejamento de ações para amenizar o efeito e o avanço das mudanças climáticas, políticas ambientais para reduzir o desmatamento, regras e fiscalização efetiva para ocupação do solo, políticas sociais de valorização das pessoas, programas de qualificação profissional, geração de oportunidades de emprego, aumento de vagas em creches, políticas públicas de educação, remuneração e salários dignos, são alguns exemplos de medidas para atacar a causa do problema.

Atualmente, as ações são essencialmente reativas destinando-se, exclusivamente, à minimização das consequências mais emergenciais e urgentes. As soluções para as causas são continuamente empurradas com a barriga até a ocorrência uma nova tragédia.

Não faltam desculpas e culpas à natureza, aos santos desatentos e aos anjos-da-guarda distraídos para justificar a ineficiência de atuação e de atenção ao problema, cujo agravamento é inevitável, pois tampouco, medidas direcionadas a frear as mudanças climáticas são propostas e/ou adotadas. Entra ano, sai ano e as desgraças climáticas, ambientais, sociais e pessoais ficam por conta da fatalidade.

Como construir uma visão de futuro em um presente de tantas incertezas? Como acreditar no futuro ante à negação da gravidade dos problemas climáticos e ambientais que assolam o Brasil e o mundo? Como visualizar futuro ante ao maior projeto, em curso, de destruição socioambiental no país?

Os moradores das áreas de risco representam uma fração do saldo desta aritmética calamitosa e devastadora, cujo futuro será insuficiente para reverter os estragos e a destruição. Futuro de cada um de nós e das próximas gerações que está sendo negado, abreviado, vilipendiado e roubado.

*Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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5 Comentários

  1. No mesmo espirito atlas do IPCC mostra que se a temperatura media mundial aumentar 1,5ª no RS deve aumentar 2ªC. E a media das chuvas deve aumentar inclusive no verão. Russia e Canadá terão mais terras cultivaveis. Tem gente planejando fazer vinho na Inglaterra. Fácil é flatular dormindo.

  2. Deixando as palavras bonitas de lado, sempre que alguém fala em ‘humanidade’ parece que lhe falta algo entre as orelhas, é preciso abandonar o discurso ‘olha como sou legal’. Há quem defenda melhor saúde, educação e segurança nas periferias para ‘enfrentar a criminalidade’. Maioria dos marginalizados(as) é honesta, trabalha. Tem que receber saúde, educação e segurança porque é direito deles(as). Simplificar os problemas é um convite para os politicos jogarem dinheiro na estatistica para corrigirem os numeros e não os problemas.. Compra-se a midia e tudo fica as mil maravilhas.

  3. Outro aspecto é que cofre público não é saco sem fundo. Se a UFSM abre curso para formar mão de obra para um mercado de trabalho que não existe o dinheiro faz falta em outro lugar. Mais, ‘area de risco’ é generico muita gente na Amazonia mora em area sujeita a enchente e de lá não querem sair No RJ existem favelas em area de risco até em áreas não controladas pelo Estado, quem iria meter a mão neste tipo de vespeiro politico?

  4. Nordeste de SC. Cidade conhecida. Invasão na beirada de um morro. Advogada fazendo e acontecendo por conta da situação e da falta de apoio público. Vereadores faturando em cima. 2008, um diluvio e os morros começam a vir abaixo Advogada e vereadores somem. Resumo da opera: cui bono?

  5. Por conta de um podcast andaram ‘cancelando’ o Spotify nos EUA. Neil Young ameaçou sair da plataforma, deu ultimato e acabou saindo. Levou mais gente junto. Todos foram para a Amazon. Washington Post publicou materia ensinando a sair do Spotify sem perder as músicas De quem é a Amazon e o WP? Jeff Bezos Sem falar na especulação com as ações do Spotify na bolsa, muita gente ganhou dinheiro. Cancelamento é coisa de pessoas cujas mães desempenham atividade sexual remunerada com desconhecidos. Podcast citado chega a ter 11 milhões de visualizações em alguns episódios. E quase a população do RS assistindo um programa de duas tres horas ou a reprise do mesmo Pavor da ´midia tradicional sem credibilidade que utiliza todos os meios éticos ou não, para ajudar no cancelamento.

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