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Os rumores – por Orlando Fonseca

Nos primeiros meses da pandemia, há dois anos, alimentei a expectativa de que o evento trágico serviria para desenvolver o melhor do ser humano. Sobretudo porque, pela primeira vez na história da humanidade, havia um inimigo comum a ser enfrentado. Não sabemos a abrangência de tragédias similares do passado, como a Peste Negra ou a gripe espanhola. Sequer a Segunda Guerra Mundial foi tão mundial assim, ainda que o inimigo comum fosse o nazismo, a face cruel do fascismo à moda alemã, com o extermínio de 6 milhões de seres humanos por razões étnicas. Como vocês, leitores, podem perceber pelo que estamos vendo nos noticiários, eu me enganei. Em vez de estimular a inteligência, o que se viu foi a proliferação geral da ignorância. Condições perfeitas para que o vírus de outros males oportunistas se instalem nos corações e mentes: em vez de tolerância, a beligerância é que prevalece. Nesse quadro de vale tudo, tanto no plano nacional quanto no mundial, parece que vem aí uma guerra.

No caso do Brasil, é bom lembrar, estamos em um ano eleitoral. No caso do nosso planetinha azul, que poderia ensejar a paz, como queria o poeta, as mudanças geopolíticas estão a indicar uma nova ordem econômica mundial. Assim como na microesfera doméstica, na macropolítica também quando se trata de dinheiro, a coisa esquenta. A busca por consenso dá lugar ao “quem fala mais alto vence”. É uma tática de enfrentamento que o guru do bolsonarismo – que descansa em paz – recomendava em suas palestras e publicações, para vencer o “comunismo” e seus fantasmas: nada de argumentos, mas de gritos e palavrões. No cenário global, o que estamos percebendo é a antiga potência americana criando situações para virar manchete, a fim de se contrapor ao que já é notícia: China e Rússia selaram um acordo que aponta para a formação de um poderoso bloco, econômico e bélico, no leste europeu.

Em terras brasilis, diante de números desfavoráveis, tanto no que se refere à avaliação de seu governo, quanto ao possível desempenho eleitoral, o presidente vem a público com uma mensagem cifrada: ameaças à democracia estão no horizonte, mas haverá um modo de salvação messiânica (por suposto). Um método já utilizado, desde aquela “fakeada” na campanha de 2018; bombas semióticas que, em lives presidenciais, têm preenchido a falta de medidas efetivas para combater a crise (na saúde, na economia, na educação etc.) nos argumentos dos correligionários. Com isso, ganha espaço a noção de que as eleições deste ano serão realizadas em um clima de radicalismo. Por um lado, os que pretendem dar continuidade a esse projeto que já se demonstrou ineficaz, por outro, uma turma sobre a qual se projeta toda a pecha de desastre anunciado. Em um clima assim, falsamente criado, é difícil imaginar que poderá haver vencedores. Quando, na realidade, não precisamos de marketing, ou de falsidades publicitárias, mas de projetos consistentes para tirar o país do buraco – que este é real.

No plano mundial, a antiga Guerra Fria é retomada em seus fantasmas, com o bloco que se forma no Leste, entre uma república Popular Comunista e uma ex-república soviética. Os EUA, através das falas de seu presidente Biden, querem manter a sua condição de polícia do mundo, defensora da democracia e do livre mercado. Mas não há mais o fundamento ideológico que alimentava os temores do mundo dividido em dois blocos, com o fim da URSS e a queda do Muro em Berlim. A China comunista criou um capitalismo estatal que nós, ocidentais, ainda não entendemos direito. Dentre os maiores bilionários mundiais estão vários chineses, os quais, no entanto, não formam uma burguesia.

Na Rússia, Putin é um verdadeiro tzar, e depois da perestroika, não há a menor condição de que o comunismo volte a ser um modelo econômico e político naquele imenso império (na visão tradicional do russos). Ou seja, não sei se a Rússia vai invadir a Ucrânia, mas a minha impressão é que os EUA querem mobilizar as peças da OTAN para melhorar suas posições neste tabuleiro de xadrez da nova ordem mundial. Os rumores de guerra também têm efeitos deletérios sobre a paz, seja não Brasil, seja no mundo.

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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4 Comentários

  1. Vermelhinhos querem convencer os outros que abandonaram a fé. Esquecem que não tem credibilidade. Guerra Fria 2.0. Não são tropas russas que estão no Canadá ou no Mexico.

  2. Cultura do cancelamento e o ‘nazismo’ da outra semana. No começo do Flow não conseguiam patrocinio porque o Monark fumava maconha no podcast. Parou, começou a beber (hidromel a maior parte das vezes, era de um patrocinador) e ficava bebado frequentemente. Sujeito entrou numa confusão no Twitter e perderam o patrocinio de uma empresa de entrega de alimentos famosa. Semana passada deu no que deu. Cancelamento é coisa de pessoas cujas mães exercem atividade sexual remunerada com desconhecidos. Coisa que surgiu na esquerda e nos EUA já migrou para a direita. Prejudica muita gente que não tem a ver com o problema (a empresa de podcast tem mais de 80 funcionarios e contribui para causas sociais). Alás, nos EUA devido a primeira emenda declarações sem ameaça, incitação a violencia ou difamação são permitidas. O partido nazista americano dissolveu em 1983. Rachou e os nomes mudaram.

  3. ‘Eu costumava ser cruel com minha mulher, e fisicamente… qualquer mulher. Eu era um abusador. Não conseguia me expressar e batia. Lutei com homens e bati em mulheres. É por isso que estou sempre falando sobre paz, entende? São as pessoas mais violentas que buscam o amor e a paz.’ John Lennon em entrevista a Playboy em 1980. Tradução livre. Militantes amargos, rancorosos, que vão para a militancia porque não conseguem resolver seus ‘demonios’ pessoais não faltam por aí.

  4. Problema é que o Universo não tem obrigação nenhuma de corresponder a expectativas, principalmente as sem base nenhuma. Proliferação geral da ignorancia com enfase no ‘geral’. Quanto a beligerancia, pessoas que dela não raramente fazem provocações ou tentam impor comportamentos, aproveitam a pandemia para promover a propria agenda. Lembrando que no começo da pandemia havia alguns casos em POA, outros na região serrana, outros em Bagé e até SM, e o governador colocou Boa Vista do Buricá em quarentena., Esta noção de obedecer as determinações do Estado não importa quão acefalas sejam é a defesa da obediencia imbecil.

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